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Lá vai ciranda e destino...




Não foi uma tarefa fácil

Aquele sonho dos sócios de promover a abertura de capital do Pitágoras estava, finalmente, sendo realizado com sucesso. Mas Cabizuca ressalta que não foi uma operação simples.

Por incrível que pareça, a abertura de capital aconteceu mesmo em 2007. Mas não foi uma tarefa fácil e nem se concretizou num piscar de olhos. Foi algo conquistado a partir de muito trabalho e de uma série de mudanças que promovemos na estrutura da organização. Nós, os três sócios, estávamos juntos na empreitada, em que também já estava incluída, na operação de recebimento dos recursos advindos daquela abertura, a Henriqueta Mares Guia, viúva do Marcos Mares Guia, que tinha feito um aporte de capital no Pitágoras em 2004, quando vivíamos uma delicada situação financeira. Eu, pessoalmente, fiquei numa grande alegria vendo Henriqueta receber aquele prêmio, pois ela tinha investido um recurso significativo na organização.

E a Kroton Educacional passou a ter vida própria, demonstrando um grande potencial de crescimento no mercado educacional brasileiro. Em dez anos, a organização viveria uma série de expansões e realizaria várias aquisições e fusões com novos parceiros.

Logo em 2009, ocorreu a entrada da Advent International no grupo – um fundo privado de investimentos, especializado em operações de private equity, que já tinha parcerias com diversas empresas brasileiras e buscava uma expansão no segmento educacional.

A Advent entrou para o bloco de controle de gestão da empresa por meio da compra de metade das ações dos fundadores da Kroton, o que representou um expressivo aporte de recursos para novos investimentos.

Nós batemos o martelo com a Advent no dia 13 de julho de 2009, ou seja, dois anos depois da abertura de capital. Naturalmente, foi um importante aporte para a empresa continuar a se desenvolver. Porém, mais do que isso, eles trouxeram uma visão de gestão que foi muito importante para nós.



A importância do Grupo Iuni

Naquele ano, a Kroton buscou um novo CEO, colocando um profissional sênior na direção do grupo, o que ajudou a aparar algumas arestas que existiam na gestão. Ele foi de fundamental importância naquele momento.

Um ano mais tarde, em 2010, a Kroton adquiriu o Grupo Iuni Educacional, uma instituição que já atuava nos segmentos de graduação e pós-graduação por meio de três marcas – a Universidade de Cuiabá (Unic), a União Metropolitana para o Desenvolvimento da Educação e Cultura (Unime) e a Faculdade de Macapá (FAMA) – em diversos estados do País.

A crise de 2008 que explodiu nos EUA teve reflexos em todo o mundo, inclusive no mercado acionário do Brasil. O Grupo Iuni também desejava fazer a abertura de capital, mas isso se tornou inviável naquele momento. Assim, preferiu uma associação com outra organização educacional. Naquela ocasião, eles chegaram a estudar propostas de sete grupos interessados na aquisição, incluindo alguns de capital estrangeiro.

Mais tarde, ficamos sabendo que eles preferiram ser adquiridos por nós, por considerarem a Kroton muito parecida com a organização deles. Isso era um sinal positivo para que tudo desse certo. Nós ficamos também impressionados com o alto nível dos executivos deles, em especial, um jovem chamado Rodrigo Galindo.



Novo modelo acadêmico

Com a aquisição, o Grupo Iuni Educacional trouxe algo que iria representar uma mudança de paradigma de ensino para a Kroton, certamente responsável pela sua rápida expansão no mercado educacional.

O Grupo Iuni nos ofereceu uma contribuição essencial: um novo modelo acadêmico. Era exatamente do que estávamos precisando, pois o modelo inicial não se mostrou eficaz para o ritmo de expansão que poderíamos ter.

Era preciso ser prático, com um ensino voltado para o mercado e, principalmente, visando a uma eficaz empregabilidade dos nossos alunos. Esse passou a ser o modelo da Kroton – o modelo de que o País precisa. Voltado, por exemplo, para a maioria das pessoas que querem estudar para transformar suas vidas.

Os gestores do Grupo Iuni também trouxeram para a Kroton algo tão valioso quanto o modelo acadêmico: uma sólida experiência na gestão de escolas de ensino superior. Eles tinham muitos anos de vivência na administração de faculdades, ao contrário do Pitágoras, que inaugurou seu primeiro curso superior em 2001.



Um CEO sob medida

Naquele momento, percebemos também que a Kroton precisava de uma liderança com sangue novo, mais adequada às perspectivas de futuro. Alguém que já viesse pronto!! Foi então que nós, os fundadores do Pitágoras, decidimos: esse profissional deveria ser o Rodrigo Galindo, representando a família que controlava o Grupo Iuni. Esse jovem seria, então, o nosso presidente. Em dezembro de 2010, ele veio a Belo Horizonte e nós ajustamos tudo. Posso dizer que a Kroton estava renascendo ali, com um presidente com menos de 35 anos de idade.

O novo modelo acadêmico foi implantado em todas as unidades da Kroton, com o objetivo de unificar a metodologia de ensino, amparado em um amplo suporte tecnológico, passível de ser monitorado em todos os seus aspectos, especialmente em relação ao desempenho escolar.

A Kroton consolidava, portanto, sua vocação de ensino em escala, o que viabilizava a inclusão de segmentos sociais que até então tinham poucas opções de cursar o ensino superior.

Com o Rodrigo Galindo, as coisas tomaram outro rumo na Kroton. Foram tempos difíceis, pois era preciso recuperar tempo e energia perdidos. Mas percebemos que tínhamos feito o negócio correto com o Iuni. E não podíamos errar, pois ninguém tinha reservas para arriscar e ver se ia dar certo. Nem nós, nem eles. Era preciso deixar, então, as eventuais diferenças de lado e seguir em frente. E posso afirmar que fizemos uma verdadeira comunhão. Os anos de 2011 e 2012 foram muito difíceis, mas a gente sentia o progresso.

Colocar o pé na estrada parecia mesmo uma sina na vida profissional do professor Cabizuca. Assim como fizera pouco antes da criação da Rede Pitágoras, visitando dezenas de escolas da Rede Pitágoras Educare, ele se viu novamente diante da necessidade de conhecer de perto (e mostrar a cara) ou revisitar inúmeras faculdades da Kroton em todo o País.

Como coordenador do Comitê Acadêmico do Conselho de Administração da empresa, essa era uma atribuição que cabia a ele realizar. Daquela vez, o parceiro de jornada foi o professor Aécio Lira, que estava na organização desde o lançamento da Faculdade Pitágoras.

Nós preparávamos e enviávamos uma autoavaliação para as faculdades, pelo menos quarenta dias antes da nossa visita. Esse processo envolvia cada um dos setores da faculdade e seus processos administrativos e acadêmicos. Com esse procedimento, tínhamos acesso, inclusive, aos nomes de todas as pessoas, quer fosse diretor, secretária, coordenador-geral, coordenador de disciplina, professores, psicólogos etc. Todos estavam nomeados com a sua respectiva área de influência. Ao recebermos a autoavaliação, líamos tudo, passando a viver o que acontecia em cada setor. Se houvesse necessidade, solicitávamos mais alguma informação.

Chegando à cidade e à faculdade, na maioria das vezes, íamos direto para a unidade e nos reuníamos com a equipe de liderança. Eu me sentia inteiramente à vontade com aquelas pessoas, pois já sabia o nome delas, o que faziam e até as maiores dificuldades que tinham na sua gestão. A partir daí, fazíamos reuniões individuais com diretor, coordenador-geral, coordenadores de disciplinas, secretária-escolar. Depois, reunião com todos os professores das disciplinas e com os representantes de todas as turmas dos alunos da faculdade, separadamente, e visita a todas as dependências da faculdade, inclusive nas áreas externas, onde, às vezes, encontrávamos mobiliário empilhado, até em boas condições, sob sol e chuva. Depois de cerca de três dias, nós tínhamos de fato um raio X, que mostrava como as coisas andavam por ali. Eu costumava brincar com Aécio e dizer que viramos essa escola pelo avesso.

Em todos os encontros, eu abria a reunião dizendo que estávamos ali para ouvir e que estivessem inteiramente à vontade para nos relatar o que julgassem necessário. Na maioria das reuniões, o diretor se ausentava para deixar as pessoas mais à vontade. Ao final de cada visita, fazíamos um relato para os diretores com os pontos positivos e aqueles que nós julgávamos que precisavam ser melhorados. E informávamos que o nosso relatório iria para o grupo do Comitê Acadêmico.



Sinceridade, transparência e humildade

Se, de fato, todas as visitas realizadas por Cabizuca e Aécio às faculdades do grupo contribuíram para azeitar a máquina nas relações institucionais entre escolas e direção da Kroton, uma das estratégias utilizadas por eles certamente contribuiu de forma decisiva para esse processo: a sinceridade e a transparência. Um dos diálogos recorrentes em muitas daquelas visitas ilustra bem isso.

Era comum ouvirmos a seguinte indagação: “Mas, professor, o senhor é um dos fundadores do Pitágoras, certo? E a Kroton, que foi criada por vocês, comprou o Grupo Iuni. Então, por que são eles que mandam? O presidente da Kroton é do Grupo Iuni, assim como o novo modelo acadêmico...”

A resposta, que eu repeti várias vezes, era: “Porque eles são muito melhores que nós!”. E eu explicava que o pessoal do Iuni tinha o pé no chão e que nós precisávamos de um modelo acadêmico adequado para o ensino que queríamos prover.

Eu podia dar uma resposta evasiva, deixando tudo no ar. Mas não! Tivemos a coragem e, principalmente, a humildade de deixar tudo isso muito claro. Quando a verdade é dita de forma transparente, não ficam dúvidas. Foi isso o que aconteceu.

Essa postura foi fundamental para dar segurança e liberdade de ação para a equipe que estava chegando. E pode servir de ilustração para os inúmeros estudos de casos de fusões e aquisições de empresas que ocorrem na economia a todo instante – muitas fadadas ao fracasso por excesso de vaidade de uma das partes ou mesmo por falta de transparência nas relações entre os que adquirem e os que são adquiridos.

Cabizuca relata o caso de uma das faculdades, visitadas por eles naquela jornada, como exemplo da necessidade de se mudarem os rumos da gestão e da importância da experiência que o grupo Iuni agregava. Ele ocorreu na Faculdade de Ipatinga, que fora uma das primeiras inauguradas pelo Pitágoras, em 2003.

Na visita, alguns alunos mais antigos, que conheciam a fama de excelência do Pitágoras, no ensino médio, na cidade, nos relataram diversos problemas relacionados com lançamento de notas, boletos com valores não compatíveis com as disciplinas cursadas e outros entraves administrativos que corroíam a imagem da organização. Por isso, era preciso agir com rapidez. E nós começamos a mudar isso, unindo as expertises dos dois grupos. Não foi uma tarefa rápida, mas começou ainda em tempo.

Em meio à intensa agenda de viagens naquele primeiro semestre de 2011, Cabizuca sempre arrumava um tempinho para o descanso e o lazer. Nos finais de semana, por exemplo, costumava frequentar o Bar do Xumba, na divisa dos bairros Santa Tereza e Floresta, em BH.

O Xumba era um velho amigo de juventude, um rapaz espetacular, louco por futebol. A gente jogava bola juntos na sede campestre do Cruzeiro. Na verdade, o bar, que foi inaugurado nos anos 1980, era do irmão dele e reunia uma turma fiel ao local. Às vezes, Xumba e os funcionários resolviam descansar um fim de semana, viajavam para um passeio e fechavam o bar sem avisar ninguém. Eu chegava e via a porta cerrada... e me sentia meio que órfão! E pensava: Puxa, logo hoje? O que aconteceu?

Em maio daquele ano, Cabizuca retornou, no sábado, de uma viagem de uma semana, visitando faculdades em Ipatinga, Governador Valadares e Uberlândia. O domingo amanheceu nublado, e lá foi ele tomar sua cervejinha. Naquela época, ele era um torcedor doente do Cruzeiro Esporte Clube, de Belo Horizonte. Acontece que, naqueles dias, a imprensa mineira estava publicando uma série de reportagens com denúncias contra o então presidente do clube.

Pois bem, no domingo anterior, o clube sagrara-se campeão mineiro. Ele chegou ao bar e foi logo ouvindo o comentário de Xumba:

− Ah, hoje você aparece, né? Veio buscar a faixa de campeão?

Cabizuca respondeu, eufórico:

− É claro! Hoje é dia de comemorar o campeonato do Cruzeiro!

Nesse momento, inesperadamente, o irmão de Xumba se levanta da cadeira onde estava, aproxima-se de Cabizuca, com o dedo em riste, e começa a gritar:

− Aquele presidente do Cruzeiro é um vagabundo!!! Um ladrão!!!

Ele veio em minha direção com uma atitude absurdamente agressiva, como se eu fosse pai, irmão ou filho do presidente do clube, e também um criminoso. Não dava para entender. Eu fiquei imóvel onde estava. Xumba sentiu o clima, assim como outros poucos fregueses. Ele me perguntou: Cabizuca, você quer alguma coisa? Respondi: Uma cerveja. Eu me servi, mas fiquei ali, estarrecido, pensando: O que eu estou fazendo aqui, ouvindo uma agressividade dessas?

Cabizuca continuou em silêncio, de frente para o irmão agressor. Alguns segundos depois, levantou-se, pagou e foi embora, sem nem mesmo provar a cerveja. Nunca mais voltou lá. Nem mesmo passou na porta daquele bar, onde, por muitos anos, bateu o ponto.

E, como sempre ocorre em episódios tensos em sua vida, tirou algumas lições.

Eu pensei: Para que ter uma paixão dessas por um clube? Você pode até torcer, mas sem exageros. Quem tem de vestir a camisa do time e beijar o escudo são os jogadores, que agem de modo profissional, para sustentar suas famílias. Pois bem, eu nunca mais voltei lá. E resolvi também: não preciso ir para um botequim. Vou para o Minas Tênis fazer meus exercícios.

Naquele dia, ele deixou de ser apaixonado pelo Cruzeiro, de ser assíduo em botequins e de encarar tira-gostos pesados, como pé de porco e dobradinha.

Ali era um lugar que fazia parte da minha vida. E eu perdi a convivência com um amigo, pois nunca mais vi o Xumba. Mas teve o lado positivo. Como eu já tinha constatado antes, tudo aparentemente ruim que acontece em minha vida acaba se tornando favorável a mim e deixa um lado sempre positivo.Deixei de ser frequentador assíduo em qualquer bar, trocando isso por tudo de saudável que sempre encontrei no Minas Tênis Clube − caminhadas, natação, sauna, ducha escocesa e massagens.



Novos recursos no mercado

Ainda em 2011, a empresa anunciou uma Oferta Pública de Distribuição de Ações, com o lançamento de novos papéis da companhia no mercado. Foi um processo relativamente longo, mas concluído com sucesso, seguindo todas as exigências e regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Aquele foi um processo muito intenso, que durou seis meses, envolvendo diversas áreas da empresa. Mas valeu a pena, pois, ao final, estávamos com novos recursos disponíveis para dar sequência ao projeto de crescimento do grupo.

Com o novo aporte de recurso, a Kroton adquiriu, ainda em 2011, novas instituições de ensino em diversos estados brasileiros, como novas unidades da Faculdade de Macapá (FAMA), a Faculdade Educacional de Ponta Grossa-União e a Faculdade de Sorriso (Fais), no Mato Grosso.

No mesmo ano, ocorreu também a aquisição da Universidade Norte do Paraná (Unopar), com sede em Londrina e presença em mais de 420 municípios do Brasil, com quase 500 polos de Educação a Distância (EaD) e cinco campi presenciais. Essa operação foi considerada o maior negócio do setor educacional na história do Brasil, até aquele momento.



Kroton: um dos maiores do Brasil

Isso fez com que a Kroton se tornasse, em 2011 − apenas quatro anos após a abertura de capital −, um dos maiores grupos de ensino superior do Brasil, o sexto maior do mundo , em número de alunos, e líder em EaD no País.

O ano de 2012 seria também marcado por novas expansões da Kroton. Em maio, ela adquire o grupo Associação Educacional Leonardo da Vinci (Uniasselvi), que já tinha ampla inserção na EaD. Com essa união, a Kroton consolida-se, portanto, como a maior empresa do setor educacional do País em número de alunos. Logo depois, a companhia adquire o Centro Universitário Cândido Rondon (Unirondon).

Cabizuca, como membro do Conselho de Administração da Kroton, participava ativamente de todos esses processos. Mas a ausência de uma agenda formal de atividades mais operacionais permitia que ele se dedicasse a outras atividades, como muitas que vinha realizando na fazenda e, em especial, a alguns projetos de cunho social e de empreendedorismo que já vinha desenvolvendo na comunidade de Ibituruna.

Em 2012, Cabizuca resolve enfrentar um desafio inusitado, mas de muito valor espiritual, para o qual já vinha se preparando há algum tempo, ao lado da filha Vitória. No dia 30 de setembro, eles embarcaram rumo a Portugal para percorrer, a pé, os 280 quilômetros entre as cidades de Porto e Santiago de Compostela, na Espanha.

Estavam encarando os desafios do trecho português do famoso Caminho de Compostela.

Nós partimos em um domingo, com o objetivo de chegar ao destino final em 13 de outubro . A Vitória estava muito interessada em fazer o percurso, e eu sempre quis encarar uma caminhada mais longa como aquela.

Mesmo com todo o suporte de uma empresa de turismo responsável pela viagem, inclusive com apoio de transporte motorizado, eles percorreram todo o trajeto a pé, superando os mais diversos percalços, entre trilhas, pequenas estradas e até mesmo acostamento de grandes rodovias. Ao todo, foram nove dias de caminhada, com uma média de um pouco mais de trinta quilômetros por dia.

Na noite que antecedia o último trecho de caminhada, devido a algum alimento que não lhe fez bem, Cabizuca sentiu-se muito mal e passou a noite acordado, totalmente indisposto, sem saber como iria caminhar no dia seguinte, tal o estado de fraqueza. Pela manhã, ele se levantou sem saber se iria conseguir completar o trecho. E não disse nada à filha Vitória, pois não havia o que fazer. Mas não foi preciso interromper a caminhada final, que culminou com a chegada a Santiago, a tempo de assistir à missa comemorativa.

Durante a noite, pensei em tomar um soro caseiro, mas não havia nenhuma possibilidade disso, pois o hotel não tinha nenhum funcionário noturno. Eu tinha todas as razões para não completar aquele trecho. Mas, se eu não fizesse isso, seria terrível. Já tinha caminhado oito dias, e, no último, que era o ápice de tudo o que tinha vivido naqueles dias, eu ia desistir? Eu me sentia fraco, enjoado, indisposto, mas eu tinha de completar a caminhada, embora tivesse um ônibus de apoio, pronto para eu entrar e percorrer o trecho até ficar melhor. Mas isso, pra mim, seria uma derrota − eu tinha de fazer aquela caminhada toda. Tomei um chá no café da manhã e peguei algumas frutas. Nós pegamos uma chuva pelo caminho, foi o dia mais frio da caminhada. Até que, lá pelas dez da manhã, chegamos a um lugar muito aprazível, onde já estava o ônibus que nos acompanhava, e então eu senti fome. Eu comi uma maçã e relatei para Vitória o que tinha sido aquela noite. À tarde, quando chegamos a Santiago de Compostela, eu ainda estava bastante fraco, mas com o espírito exultante pela visão da catedral e por ter completado o que eu tinha me proposto a fazer. Nós fomos para o hotel, tomamos um banho, tomei uma sopa e fomos passear pela cidade. No outro dia, era a missa comemorativa, que todos sabiam que tinha uma participação fantástica e que começava às onze da manhã. Entretanto, Vitória e eu fomos para a catedral às dez horas, e a igreja já estava lotada. Nunca fiquei tanto tempo dentro de uma igreja. E foi extremamente prazeroso! Uma missa rezada por sete padres, cada um de uma nacionalidade, inclusive um brasileiro. Havia vários incensários imensos pela igreja toda; eles eram presos por cordas muito grossas e acionados pelos sacristãos, passando em cima das nossas cabeças. Era um espetáculo. Depois que saímos da igreja, naquele clima de alegria, nós fomos para o restaurante para comer alguma coisa. Tomamos um caldo muito ruim e frio, comemos um pedaço de pão e fomos para o hotel. Lá, eu, que estava me refazendo do dia anterior, coloquei pijama e resolvi descansar. Mas, antes, decidi ligar a televisão, pois é claro que havia algum jogo de futebol. Aí, olhei pra TV, e o jogo era com um time de camisa azul e outro de camisa rubro-negra – Cruzeiro e Flamengo! E eu já tinha deixado de ver jogo do campeonato brasileiro há muito tempo. Ou seja, lá na Espanha, me apareceu um jogo do Cruzeiro, e eu, dentro do meu propósito de não me envolver mais, desliguei a TV e fui tirar um cochilo.

Posso dizer que aquela viagem foi uma experiência excelente que me aconteceu. E também uma oportunidade de conversar longamente com a Vitória, que me falou da vontade de ir morar nos Estados Unidos. Começamos, portanto, na caminhada, a planejar a mudança dela com a família para a Flórida, como de fato aconteceu.



A maior do mundo

No ano seguinte, ocorreu um novo marco na história do ensino privado do País, com a associação de dois gigantes do mercado. Em 22 de abril de 2013, a Kroton e a Anhanguera Educacional anunciam, em conjunto, o acordo de associação para unificar as operações das duas empresas. Elas passavam a oferecer ensino presencial e a distância para cerca de um milhão de estudantes, em 835 municípios espalhados em todos os estados do País.

Juntas, compartilhavam, a partir daquele momento, 123 campi de ensino presencial, 647 polos de ensino a distância e 810 escolas associadas na educação básica. As duas empresas passaram a empregar mais de 32 mil profissionais, com um corpo docente formado por especialistas, mestres e doutores das mais diversas áreas do conhecimento, espalhados por todo o País. Estava formada, portanto, a maior empresa de educação do mundo por capitalização de mercado.

Elas reforçaram também o compromisso de ampliação do acesso à educação para os segmentos mais carentes da sociedade, por meio dos programas federais de inclusão educacional, como o Fies e o Prouni, beneficiando mais de 200 mil estudantes.



Empresa de Valor 2014

Depois de ter vivido quase cinco décadas à frente das mais diversas atividades no Pitágoras, enfrentando planos econômicos, mudanças nas regras do jogo da economia, dificuldades com folha de pagamento, negociações com pais e professores, Cabizuca passa, então, apenas a acompanhar a atuação dos dirigentes da Kroton nessa nova etapa da organização, marcada pelo crescimento vertiginoso.

Nossas faculdades são muito bem dirigidas, tudo feito na maior integridade profissional. Temos uma diretoria com uma atuação exemplar, formada por uma equipe de primeira, que trabalha em plena sintonia com mais de trinta mil colaboradores. Eu nunca mais tive de me preocupar com as dificuldades operacionais, que são comuns e que sempre caíam no meu colo.

A certeza do professor Cabizuca sobre a qualidade dos gestores da Kroton e a excelente performance do grupo não representou uma percepção só dele ou também dos sócios. Em agosto de 2014, a Kroton foi eleita “Empresa de Valor” do ano pelo jornal Valor Econômico.

Em 2014, como relatou o jornal Valor Econômico, a empresa contava com mais de um milhão de alunos e um valor de mercado superior a R$26 bilhões, com receita líquida estimada em R$4,7 bilhões ao final de 2014.

Reportagem publicada naquele veículo afirmava: “Diante de tais números, a Kroton estreia no ‘Valor 1000’ com o pé direito”. Em quatorze edições do anuário, aquela era a primeira vez que o setor de educação passava a integrar uma das vinte e seis categorias premiadas. Além de ser contemplada como a maior e melhor no setor de educação, a Kroton foi eleita a melhor entre mil companhias e, portanto, levava o título de “Empresa de Valor”.



Pitágoras: 50 anos

Em meio ao crescimento da Kroton por todo o País, a velha guarda do Pitágoras – que de velha nada tinha, mas, sim, de muita experiência – participou de diversos eventos ao longo de 2016. Afinal, a instituição estava completando 50 anos de existência, e era preciso comemorar. Foram realizadas diversas atividades envolvendo os sócios, centenas de educadores, funcionários, alunos, ex-alunos, familiares, colaboradores e amigos em geral.

Um dos destaques foi uma exposição especial sobre as cinco décadas do Pitágoras, realizada no Espaço de Arte anexo à unidade Cidade Jardim, em Belo Horizonte, com fotos, documentos, publicações e registros diversos sobre a história da organização.

Para o professor Cabizuca, a data simbolizava um momento muito especial de sua trajetória de vida e da organização.

Pitágoras, 50 anos; Cabizuca, 77 . Eram muitas as lições que a vida já tinha me ensinado. E, àquela altura da nossa existência, era importante refletir sobre o que, de fato, tornava-se significativo para nós. Eu, por exemplo, sempre me realizei dando aulas e convivendo no ambiente educacional. Aprendi que o estudo tem uma importância fundamental na formação das pessoas, na redução das desigualdades socioeconômicas, e a qualificação é absolutamente indispensável.

E, em toda essa trajetória, descobri que acolher as pessoas é algo também essencial. E qual é a a forma como vejo isso? Pouco importa o ambiente em que eu esteja conversando – aqui em BH, com educadores, equipes da Kroton, na fazenda ou em Ibituruna, com funcionários, eu realmente faço questão de marcar uma hora para ouvir as pessoas. E eu nunca vou marcar um tempo em que eu tenha de sair correndo. Tem de ser, no mínimo, uma hora, em que eu tenha a disponibilidade de ouvir de fato a pessoa, colocar no meu espírito o problema dela como se fosse meu! Porque, se fosse meu e eu estivesse relatando para alguém, eu queria que o outro ouvisse. Eu procuro ouvir com toda a atenção e coloco toda a minha energia, procurando ajudar. E, muitas vezes, encontramos um caminho, o que não é difícil. Meu interlocutor vai ver que eu me coloquei absolutamente inteiro naquela conversa. E isso é o que eu chamo de acolher e cuidar. Posso dizer que isso aconteceu na minha vida, na época do Iraque. Aprendi que acolher significa dar um pouso seguro para a pessoa. Às vezes, numa conversa simples, a gente vê que consegue fazer algo pelo outro. E se eu conseguir fazer isso, é muito bom pra mim.

Ao refletir sobre suas realizações e a relação com as pessoas ao longo da vida, quando o Pitágoras completou 50 anos de existência, Cabizuca citou alguns valores que lhe são essenciais. Ele disse.

Precisamos ter, como mote de vida, a simplicidade. E devemos praticar algo que parece uma palavra meio complicada: reverenciar. É preciso reverenciar as pessoas; praticar a acolhida e o cuidado com elas.

Uma pequena história, envolvendo Cabizuca e pessoas do relacionamento em Ibituruna, ilustra essa maneira de se relacionar com o outro. São casos aparentemente sem conexão entre si, mas que têm um mesmo fio condutor: o dar e o receber.

O outro relato diz respeito a um advogado, contratado por Cabizuca para defender um funcionário da sua fazenda, envolvido em um caso que foi parar na Justiça.

Eu fui procurar o Dr. Sérgio, que era considerado o melhor criminalista de Bom Sucesso e região. Ele cuidou do caso em todos os detalhes, em um processo demorado, mas que culminou com a prova de inocência do meu funcionário.

Ao final, Cabizuca procurou o advogado para pagar pelos honorários dele. E ouviu a seguinte reposta:

− O que é isso, professor? Não temos que acertar nada. Quando cheguei a BH para me preparar para o vestibular, eu o procurei, dizendo que estava morando de favor e sem condições de pagar o cursinho. Falei o nome do meu pai, que era aqui da região, e o senhor me concedeu uma bolsa. Se hoje sou advogado, é graças ao senhor!

Veja, ele poderia ter me cobrado uns R$ 5 mil, isso em 2003. Eu ia pagar e agradecer muito. Mas não me esqueço desse tipo de retorno que recebo. E isso acontece direto em minha vida. É muito bom você saber que foi bom para alguém. Isso me ajuda muito a ser feliz.



1º lugar no ranking BCG

Em 2017, a organização conquistou mais uma posição de destaque no mercado brasileiro: a Kroton ficou em primeiro lugar no ranking das dez empresas brasileiras com melhor performance em termos de criação de valor para os seus acionistas entre 2012 e 2016, de acordo com levantamento do Boston Consulting Group (BCG). Para chegar a esse resultado, o BCG leva em consideração indicadores como ganhos pela valorização das ações e ganho com dividendos.

Essa empresa, a BCG, é uma das mais prestigiadas organizações de consultoria de gestão global, com 85 escritórios em 48 países. E esse desempenho da Kroton, atestado por ela, foi muito importante para nós, que somos conselheiros de uma empresa de capital aberto, e também para os acionistas, que estão espalhados pelo mundo. E o fato de o levantamento levar em conta um período de cinco anos – e não apenas de um ou dois – demonstra que esse nosso desempenho indica uma tendência consistente. Não é apenas um evento isolado.

Se a gestão do negócio estava recebendo o reconhecimento do mercado, como no caso do ranking da BCG, do ponto de vista acadêmico, o cenário também era muito positivo. Nos anos que se seguiram à implantação do modelo acadêmico oriundo do Iuni Educacional, a Kroton passou a contabilizar mais de 95% de conceitos satisfatórios (notas acima de 3, numa escala de 0 a 5) nas avaliações do MEC.



Dez anos de
capital aberto

Esses indicadores de desempenho tiveram também um valor simbólico, uma vez que a Kroton completava, em 2017, uma década de abertura de capital.

Em 23 de julho de 2017, a Kroton completou dez anos. E nós tínhamos muito a comemorar. Em agosto, por exemplo, foi divulgado o quadragésimo resultado trimestral da companhia. Mais uma vez, pudemos constatar que ele era fruto da atuação de uma diretoria executiva extremamente competente. No relatório da BCG, isso aparecia com muita clareza. Atualmente, temos uma empresa muito ativa, focada nos resultados financeiros, acadêmicos e também na responsabilidade social que a companhia desenvolve por meio da Fundação Pitágoras.

A gestão está permanentemente voltada também para a administração de custos, que é uma operação científica. Com as proporções da Kroton hoje, uma redução de custos de 1%, por exemplo, é algo extremamente significativo. É comum, no início do ano, nós avaliarmos quase quatrocentos projetos diferentes para serem desenvolvidos no exercício. E cada um tem sua razão de ser, com um foco específico e justificativa para ser executado. Tudo isso gera resultados.



Fazenda Rio Grande

Também em 2018, completam-se cinquenta anos que Cabizuca frequenta a região de Ibituruna. Aos trinta anos, no Carnaval de 1968, ele foi pescar no local pela primeira vez e, pouco tempo depois, voltou para adquirir o primeiro terreno de sua atual fazenda.

Aos poucos, ele foi conhecendo muita gente da região e oferecendo oportunidade de trabalho para muitas famílias. Hoje em dia, a fazenda Rio Grande representa um bom negócio para Cabizuca e gera trabalho e renda para muitas pessoas. Mas ela é, antes de tudo, o local de descanso dele, da esposa, dos filhos, netos, demais familiares e amigos convidados.

Particularmente, a fazenda cumpre uma função essencial na vida de Cabizuca, que ele resume de forma bem simples.

Tudo aquilo lá tem me ajudado a viver. Não tenho dúvidas. No passado, quando chegamos, era só uma grande roça, com cachoeiras. Há 50 anos, tenho convivido, de uma maneira muito próxima, naquela região. E tenho um prazer enorme de compartilhar meu tempo com as pessoas simples de lá. Gente muito boa!

Hoje, a fazenda conta com várias vias calçadas, para dar mais conforto e evitar a poeira, assim como uma confortável sede, casa de hóspedes, ambiente fechado para um churrasco e confraternização, piscinas para os netos e convidados, além de um aconchegante escritório de trabalho para Cabizuca, dentre inúmeras outras edificações.



Café e bezerros

Há alguns anos, depois de se dedicar pessoalmente à produção de café, Cabizuca buscou um parceiro para ficar à frente daquele empreendimento – o agrônomo Luís Framarion.

Ele é, antes de tudo, um amigo. E chegou em ótima hora para cuidar das lavouras. Algumas delas foram arrendadas por ele, e, em outras, nós somos sócios. Mas é ele quem cuida de tudo. O importante é que as plantações são rentáveis e geram trabalho e renda para muitas pessoas.

A outra atividade rural desenvolvida na fazenda é a criação de bezerros para venda. Para isso, ela conta com cerca de oitocentas matrizes e diversos touros e já apresenta uma taxa de nascimento de bezerros de 80% ao ano.

Nós damos aos animais o maior conforto possível, em termos de alimentação e água. Temos cochos de água espalhados em todas as pastagens, de modo que o gado não tem de se movimentar muito. Lá, ele se alimenta também de cana triturada com ureia e enxofre, que é um alimento muito nutritivo e fundamental, especialmente na época da seca. Já temos 25 hectares plantados com cana e vamos ampliar essa área.



Produção de valor

Indagado sobre o futuro da fazenda, em termos de produção, o fazendeiro Cabizuca para um instante para pensar. E faz uma reflexão racional.

Veja, mesmo com todo o avanço tecnológico do mundo, que vai se expandir muito, acredito que nada irá substituir o uso da terra. E ela não será destinada para criar vaca. No futuro, vamos precisar cada vez de menos espaço para produzir a carne bovina. As grandes extensões de terra vão ser substituídas pela tecnologia. Teremos mais produtividade e mais alimentos em áreas cada vez menores.

Temos algo muito valioso lá, pois 70% de nossas terras estão à beira de dois rios de águas muito limpas – o Rio Grande e o Rio das Mortes. Ora, com abundância de terra e de água, podemos nos dedicar ao cultivo de hortaliças e legumes. Isso depende de tecnologia, claro, mas necessita da terra e da água.

Imagino, então, meus descendentes – ou até mesmo eu, se ocorrer em meu tempo de vida –, produzindo abobrinha, alface, almeirão, abóbora, brócolis, couve-flor e tudo o mais... e, de preferência, sem agrotóxico. Enfim, poderemos produzir algo muito valioso para a humanidade, e ainda gerar empregos e renda, contribuindo para que mais pessoas sejam mais felizes e mais respeitadas como seres humanos.

Entre as diversas preocupações de Cabizuca com suas terras, duas merecem atenção especial: evitar as erosões nos terrenos e preservar as minas de água, plantando-se matas em volta delas.

O Ivan, nosso funcionário, que é um excelente tratorista, sempre me diz: “Nossa, Seu Cabizuca, só o senhor mesmo para cuidar assim dessas erosões. Ter essa capacidade de vê-las e não se conformar com elas”.



Ibituruna e Cabizuca: sinergia

Aos poucos, Ibituruna foi entrando para a vida de Cabizuca e vice-versa, numa perfeita sinergia. Como ele já ressaltou, o convívio com as pessoas simples da região passou a lhe proporcionar muita alegria de viver. E, com tantas lições de empreendedorismo pela vida afora, em relação à sua própria carreira profissional, ele foi consolidando valores em relação às muitas oportunidades de realizar ações de cunho comunitário e de responsabilidade social – e não de mero assistencialismo.

Para isso, a parceria e a confluência de interesses com a prefeitura da cidade têm sido fundamentais. São vários projetos envolvendo moradores e alunos da Escola Municipal Fernão Dias, que já conta com três educadores patrocinados por Cabizuca. São eles os professores Mauro e Zulma, que dão suporte na área acadêmica da escola, e Gabriela, que está formando professores de teatro, dança e percussão e também dando aulas nessas áreas.

Já funciona também em Ibituruna uma escolinha de futebol, que atende não só os alunos da rede pública municipal, como também da estadual, devido ao grande interesse da garotada.

O professor Mauro Gonçalves de Souza, convidado por Cabizuca para coordenar as atividades didáticas na escola municipal de Ibituruna, não é apenas um antigo colaborador do Pitágoras.

O Mauro é, hoje, o meu grande amigo. Conversamos sempre e tomamos umas cervejas, aos sábados, no restaurante do Minas I. Tenho plena confiança no trabalho dele.

E essa amizade não começou há pouco tempo. Curiosamente, ela completa o elo de uma cadeia de dois bons amigos de Cabizuca, separados por gerações, com vários elementos em comum, que misturam carreira profissional e vida pessoal.

Assim como, nos anos 1960, o jovem universitário Júlio Cabizuca foi selecionado pelo catedrático Cataldo para ser seu monitor no curso de Engenharia da UFMG, uma década depois, era Cabizuca quem convidava Mauro, um jovem estudante de pré-vestibular do Pitágoras, para ser monitor de matemática do cursinho.

Depois disso, Mauro se tornou professor do pré-vestibular e foi convidado também por Cabizuca para fazer parte de sua equipe no Iraque, no início dos anos 1980. A seguir, Mauro fala um pouco sobre o mestre, o colega de trabalho, o chefe e o amigo Cabizuca.

Quando eu virei monitor, o professor Cabizuca me convidou para ir, aos sábados, para a casa dele, para eu estudar matemática, usando todos os livros dele. Quando precisava, tirava as dúvidas com ele. Ele virou meu professor particular e era, então, também o início da nossa amizade. Ele percebeu que eu tinha potencial para virar professor e passou a me orientar, sempre me dando novos desafios.

Hoje, posso dizer três coisas fundamentais sobre o professor: primeiro, ele é um estrategista. Uma pessoa extremamente meticulosa, que sabe exatamente o que quer fazer. Segundo, ele é desafiador, em relação a si próprio e a quem está na órbita dele. E, terceiro, ele te dá todas as ferramentas e todos os instrumentos que você precisa para encarar os desafios.

E, a partir daí, ele cobra. Cobra duro, mas sempre na calibragem adequada, exigindo mais de quem está num nível mais elevado e auxiliando os que estão mais abaixo.

Conviver com o Cabizuca é como jogar uma longa partida de xadrez com ele. Não existem jogadas às escondidas, tudo é feito com muita estratégia e aprendizado. Até as vitórias são respeitosas, pois você vence sem matar o rei. A cada partida, há uma nova lição e a parceria é renovada. Enfim, nós nos respeitamos, nos desafiamos, fazemos as coisas às claras e queremos o bem um do outro. No final, a gente está sempre reconhecendo o que o outro fez.

E há um detalhe fundamental: ele aceita o erro, não o fracasso, pois é exigente. Dá para dizer: “Eu errei e não consegui fazer, mas dei o melhor de mim”. Isso é o que chamo de exigência comprometida. Ele te auxilia e quer o seu compromisso. E, como em todo jogo de xadrez, você quer vencer com o reconhecimento do outro.

No Iraque, por exemplo, eu fui para dar aulas de matemática. Sabe o que aconteceu? Eu dei aulas também de física, de desenho geométrico, de práticas comerciais e de datilografia! Foi ele quem descobriu todas essas potencialidades.

Sabe por quê? Porque ele investe nas pessoas. Lá na fazenda, por exemplo, tem um rapaz, o Walisson, filho do caseiro. O Cabizuca descobriu que o potencial dele ia bem além das tarefas rurais e investiu nele. Hoje, Walisson passa o dia laçando gado e, à noite, é um ótimo professor de computação! Olha a ternura que ele teve para unir essas pontas de um mesmo profissional.

É isso. E quer saber de mais uma coisa? A amizade que sinto por ele não é coisa de botequim!



Descoberta de talentos

Atualmente, um dos focos dessas ações de Cabizuca é investir na descoberta de pessoas da comunidade com potencial para se tornarem bons educadores, como estudantes de pedagogia de faculdades da região, que passam a fazer estágios remunerados.

Queremos valorizar a mão de obra e os talentos da região, que é a melhor forma de respeitarmos também a cultura local. E gerar benefícios para todos. A comunidade é pequena, e esses projetos podem transformar a vida de muitas pessoas e famílias.

As pessoas precisam mesmo é de alguém que mostre o caminho e crie condições para elas se desenvolverem profissionalmente, por meio de estudos, cursos e equipamentos para viabilizar negócios, por menores que possam ser. Porque, com relativamente poucos recursos, você ajuda muito.



As doceiras de Ibituruna

As condições para os negócios estão sendo ampliadas e colocadas em prática com um grupo de mulheres de Ibituruna. Nos últimos anos, Cabizuca abraçou o projeto de uma doceria e vem investindo recursos na sua implantação.

Em 2007, a Fundação Pitágoras implantou o Sistema de Gestão Integrado (SGI) na Escola Fernão Dias, em Ibituruna. Naquela época, Cabizuca conheceu Márcia Teixeira, que era uma das lideranças da educação municipal. A conversa sobre uma doceria começou em 2015, quando Márcia atuava na Unidade da Emater e falava sempre que Ibituruna deveria ter uma fábrica de doces para gerar emprego e renda.

Márcia conseguiu, junto ao Senar, diversos cursos de formação para as mulheres de Ibituruna, inclusive treinamento em produção de doces, especificamente doces cristalizados. Aproximadamente cinquenta mulheres passaram por esse treinamento. E ela sempre me mandava mensagens com fotos do treinamento das doceiras, sempre colocando na cabeça que Ibituruna ainda ia ter uma fábrica de doces. Em 2016, ela fez um contato com um deputado e, por meio de verba parlamentar, conseguiu equipamentos para fabricação de doces, o que acabou ocorrendo. Aí, com as doceiras fazendo os doces e os equipamentos comprados, ela me fez o desafio: “E agora, professor, o que nós vamos fazer?”.

Após o desafio de Márcia, Cabizuca prontamente abraçou a ideia da doceria. Assim, em 2017, foi implantado um sistema para a produção de doces, inicialmente com quatorze doceiras. A cozinha da doceria começou a funcionar na casa de Doralice, uma das doceiras, e lá era feito o treinamento.

Durante o ano de 2017, a parceria funcionou assim: nós dávamos uma ajuda de custo para cada uma das doceiras e adquirimos todos os insumos para que fossem feitos os doces − frutas, açúcar, gás. Houve o treinamento ao longo do ano, e nós levamos o grupo a várias feiras, tanto na região do Campo das Vertentes quanto em Belo Horizonte, onde elas participaram da Feira Aproxima, evento em que os doces foram muito apreciados.

Hoje, os equipamentos para a produção de doces já estão instalados, e as doceiras já estão bem preparadas. Agora, o desafio é profissionalizar a gestão, para que o grupo tenha encomendas e possa produzir para o mercado. O objetivo, portanto, é conquistar o mercado, fornecendo os doces em escala maior para buffets, feiras de alimentação e supermercados, em especial, em Belo Horizonte, cidades do interior de Minas e até mesmo em São Paulo, de onde já surgem demandas.

Desde 2015, Cabizuca tem também doado mudas de figo e planeja doar mudas de outras frutas para os produtores rurais como forma de fortalecer o empreendimento e movimentar a economia do município.

A proposta é continuar doando mudas frutíferas para que os produtores rurais vendam os figos para as doceiras, tendo ali um consumo imediato. Vamos continuar doando mudas frutíferas para que isso possa gerar renda pra todo mundo. Eu mesmo plantei um hectare de abóbora, porque o doce de abóbora cristalizado é uma delícia, e não pode ser feito com qualquer abóbora. Então, em muitas épocas, você não encontra a abóbora específica no Ceasa. Então, a proposta é esta: fazer um “casamento” da produção das frutas com a produção dos doces das frutas, gerando emprego e renda.



Informática para todos

Outra iniciativa importante ocorre na área de informática, com a oferta de cursos para jovens estudantes da cidade e para os moradores em geral, para que todos possam aprender a usar programas como Word, Power Point, Excel, entre outros, e, assim, melhor se capacitar para o mercado.

Nós já adquirimos vários notebooks, e o professor Mauro coordena todas as atividades por lá. Temos um professor que dá aulas pela manhã e à tarde. À noite, quem ministra as aulas é o Walisson, filho do Zezé, que é nosso caseiro na fazenda. Eu coloquei esse rapaz para aprender informática em 2014. Ele aprendeu muito bem e se revelou um grande talento na área.



Torra e moagem de café

Cabizuca encabeçou também o projeto de torra e moagem de café, que vem mobilizando moradores de Ibituruna. Já está em funcionamento uma unidade-piloto para uso dos interessados.

O que sempre me incomodou muito em Ibituruna, um município pequeno em que, por onde se olha, há plantação de café, é que todo mundo vai ao supermercado comprar café pra beber. Muitas senhoras mais humildes, que vão à lavoura para varrer o café que sobrou da safra, para evitar a praga do bicho-mineiro, recolhem esse café e o levam pra casa, secam no terreiro e, ao longo do ano, elas limpam o café, torram no fogão a lenha, numa fumaceira terrível, e moem numa máquina manual, obtendo um pó grosso.

Pois bem, essas pessoas não têm que fazer mais isso, pois nós resolvemos, neste ano, montar uma pequena unidade de torra de café. Depois de limpar o café (que consiste em tirar o grão da casca), elas levam o café em nosso projeto, onde é torrado e moído para elas sem nenhum custo. Também as pessoas que têm condições de beber um café mais qualificado podem comprar o café dos produtores da cidade.

Essa unidade-piloto de torra está montada numa área na casa da Zélia, funcionária da fazenda, onde estão instalados um torrador de café profissional e um moinho profissional. E isso fica disponível para todas as pessoas de Ibituruna − que podem levar de dez a doze litros de café, de cada vez, pra torrar e moer, o que é uma quantidade adequada para o torrador. Esses doze litros, torrados, vão render café pra beber por muito tempo, mais ou menos uns oito quilos de café moído.

As pessoas podem produzir para o consumo próprio e também para vender. Imagina: quem quiser pode montar saquinhos de 200 gramas, por exemplo, pegar a bicicleta e sair vendendo de porta em porta. Assim, elas podem vender na própria comunidade, de modo que o dinheiro do café vai ficar em Ibituruna.

É um projeto-piloto, e nós pretendemos implantar outros na cidade. E tudo absolutamente gratuito, sem cobrar nada de ninguém.

Afinal, não tem cabimento a gente ver, numa cidade carente como Ibituruna e, ao mesmo tempo, com tanta produção de café, mais de 95% da população, em especial, os mais pobres, indo ao supermercado comprar pó de café.



Mais planos

Indagado sobre o que espera de todas essas frentes de trabalho e de iniciativas de empreendedorismo em Ibituruna, Cabizuca foi enfático.

Eu estou levantando esses negócios e quero vê-los a todo vapor. Como se fossem o próprio Pitágoras! E temos mais planos em andamento. Estou trabalhando para implantar, em Ibituruna, uma escola para desenvolver o empreendedorismo. E não vão faltar os recursos.

Por tudo isso, não tenho a menor dúvida em afirmar: esses projetos sociais estão totalmente casados com a minha vida e a minha vontade de viver. Totalmente casados. O termo é esse!



Qualidade de vida

Ao se aproximar dos 80 anos, Cabizuca vive hoje uma rotina bastante focada na qualidade de vida, com destaque para a alimentação e a prática de muitos exercícios em academia, além de caminhada e natação.

A proximidade com a academia surgiu ainda em 2005, quando resolveu procurar o médico Eduardo Rodarte, em função de certa fragilidade muscular que passou a sentir. Ele já fazia suas caminhadas e, por muitos anos, jogou peteca com os amigos do Samarkan, clube que existia na Pampulha.

O médico o aconselhou a buscar uma academia de ginástica para a prática de exercícios de aeróbica e fortalecimento muscular.

O Eduardo me disse: “Sabe aqueles seus tios e tias velhinhos, que andam com aqueles passos curtinhos e picados? Pois é, você está com pouco mais de 65 anos e não precisa ficar assim. Para isso, tem de fazer exercícios com regularidade”.

A duras penas, então, eu me matriculei em uma academia. Nos primeiros meses, achava aquilo um martírio e uma chatice. Mas sempre pensava: Se quero ter uma boa qualidade de vida ao ficar mais velho, tenho de encarar. Não vou entregar os pontos.

E não é que, aos poucos, eu fui me afeiçoando à academia? E passei a fazer os exercícios com prazer. Além disso, não tinha mais nenhuma pressão. Nada de chegar correndo na academia para ter de ir trabalhar logo a seguir. Desde 1999, quando nós, os sócios, fomos para o Conselho de Administração do Pitágoras, como já disse, eu não tinha mais aquela agenda apertada ao longo do dia.



Receita saudável

A partir de meados dos anos 2000, portanto, Cabizuca nunca mais abandonou a academia. E foi, aos poucos, sentindo como seu corpo respondia bem aos exercícios. Em 2014, passou por uma cirurgia cardíaca, realizada com sucesso total. Ele reconhece que essa última década, entre seus 70 e 80 anos, foi de total investimento em qualidade de vida.

Atualmente, em 2018, às vésperas, portanto, de completar os 80 anos, Cabizuca dá sua receita de como manter uma vida saudável, cuidando muito bem do corpo por meio de alimentação adequada, exercícios diários e cuidados constantes.

Não há dúvidas de que, hoje, eu tenho muito mais força muscular e muito mais capacidade aeróbica. Eu não me sinto, de forma alguma, uma pessoa decadente. Tenho muitas limitações em relação aos meus 50 anos, mas, em muitos aspectos, eu estou, aos 80 anos, muito melhor dos que aos 50, pois me sinto muito mais forte e muito mais bem-disposto.



Felicidade nas coisas pequenas

Indagado se se sente feliz hoje, ao se aproximar dos 80 anos com tanta disposição e vontade de viver, Cabizuca não reluta um décimo de segundo para responder positivamente.

E a próxima pergunta, decorrente da resposta à indagação anterior, é ainda mais direta: Mas, afinal, qual é a sua receita de felicidade? Ele respira uns segundos e, pausadamente, diz:

Minha felicidade, no dia a dia, depende de coisas muito pequenas.

E ele revela pelo menos uma dúzia dessas coisas muito pequenas que fazem parte de sua rotina:

Hábitos alimentares do professor Cabizuca

Café da manhã: Gosto de um café bem farto, com pão integral, patê de atum e laticínios, incluindo queijo (para manter o cálcio sob controle), um pote de iogurte da fazenda, aveia em flocos com granola e outras sementes (amêndoa e castanha-do-pará) e um pouco de café.

Almoço: Nada de comer muito. Bastante salada, algum legume cozido, um pequeno pedaço de carne e um pouco de arroz e feijão. Levar pelo menos 45 minutos para almoçar, mas sem repetir.

À noite: Além do lanche leve, aprecio uma taça de 100 ml de vinho, mas sem a obrigação de tomar todos os dias.

Para dormir: Há pouco tempo, descobri o chá de capim-cidreira. Estou dormindo muito bem com ele, ou seja, entre seis e sete horas por noite. Prefiro evitar remédios. Já tomei até três gotinhas do tal do Rivotril. Mas o chá de capim-cidreira é bem melhor!

4 | Lá vai o trem sem destino...
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