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Lá vai o trem sem destino...

Horas de reflexão

Em toda a sua trajetória pessoal e profissional, Cabizuca sempre foi muito atento aos acontecimentos e, principalmente, às lições e aos aprendizados que podia extrair de cada momento ou etapa da vida.

Nas horas de solidão e reflexão, ele está sempre refletindo sobre tais acontecimentos, anotando mentalmente os aprendizados. Isso acontece, por exemplo, no prolongado café da manhã, como já confessou.

Um desses episódios ocorreu no final da década de 1970. Todos os anos, naquela época, as comunidades dos colégios Pitágoras realizavam uma olimpíada, reunindo professores, funcionários e diretores das unidades Cidade Jardim, Pampulha e Timbiras. O grupo era dividido em equipes, identificadas por cores, como branca, amarela, azul etc. Havia torneios das mais diversas modalidades esportivas, como vôlei, basquete, natação, futebol de salão, pôquer, buraco, além de apresentações artísticas, danças, teatro etc.

E foi numa das encenações teatrais que o fato aconteceu.

Era uma espécie de show com plateia lotada, com muita alegria, no maior espaço disponível do Pitágoras – o auditório da unidade Cidade Jardim.

Cabizuca estava na plateia quando, de repente, ele próprio “aparece” representado na encenação. Era um esquete montado por professores, e a cena passava-se numa unidade do pré-vestibular, em um momento já próximo das provas dos exames das universidades.

O diálogo envolvia um funcionário e o diretor Cabizuca:

− Professor Cabizuca, nós temos um problema grave!

− Sim. Qual é o problema? Vamos resolvê-lo já!

− É que o professor fulano não vai poder vir para dar aulas hoje.

− Oras, mas o que aconteceu?

− O professor morreu!

− Mas como assim?, indagou Cabizuca, completando, para delírio da plateia: Poxa, como esse professor “me morre” logo agora, em pleno superintensivo?

Evidentemente, a cena continha todo o exagero de um texto de humor, mas não deixava de retratar uma faceta minha – o diretor que queria ver as coisas andando nos eixos e funcionando bem de qualquer forma. Felizmente, a vida me deu a oportunidade de refletir sobre isso e mudar minha forma de agir em muitos casos.

Uma dessas oportunidades ocorreu poucos anos depois, quando Cabizuca foi dirigir uma unidade do Colégio Pitágoras no Iraque. Nesse país, ele aprendeu grandes lições de vida, principalmente em relação à atenção e ao acolhimento com todos à sua volta, a ponto de sempre dizer: “O Iraque, para mim, foi um divisor de águas. Existem dois Cabizucas − um, antes, e um, depois do Iraque”.


Cabizucas

O episódio da encenação teatral foi apenas um exemplo dos tantos momentos de vida que deixaram importantes ensinamentos para os vários Cabizucas – o filho responsável, o estudante compenetrado, o professor dedicado, o empreendedor visionário, o empresário focado e o marido, pai, avô, bisavô sempre preocupado.

Após a leitura dessa breve, porém minuciosa, viagem pelas oito décadas de vida desses Cabizucas, confira, por fim, algumas de suas aprendizagens.


Momento de demissões

No final de 1987, com o diretor Cabizuca já de volta do Iraque, o Pitágoras teve de demitir um número significativo de professores.

A economia do País passava por dificuldades, já no final do Plano Cruzado, com o retorno da inflação muito elevada. Resolvemos, então, fazer uma reestruturação no quadro de professores, o que acarretou muitas demissões. Apesar das dificuldades naturais do momento, nós conversamos com cada professor e demos assistência às famílias. Eu me reuni com os sócios e decidimos manter alguns benefícios dos professores demitidos.

Resolvemos manter as bolsas de estudo dos filhos dos professores demitidos até concluírem as séries do segmento de ensino em que estavam. Também mantivemos os planos de saúde desses professores por mais um ano.

Eu sempre me coloquei no lugar do outro, especialmente na hora de uma demissão. O pior sentimento humano é a demissão, segundo um poeta citado por Lamp. Porque, para ele, significa a sua exclusão daquele grupo. Ou seja, a pessoa demitida não pode mais participar daquele agrupamento. No caso de um professor, a demissão não é só dele, mas também do filho (ou filhos) que vai perder a bolsa de estudo dada pela escola, que vai perder o convívio de seus colegas, e isso é muito pesado. Daí a providência de não demitir também o filho.

Cerca de 20 anos depois daquele episódio, eu me encontrei com um professor de química, o José Geraldo, que me disse: “O senhor me demitiu, lembra-se? Mas vou dizer uma coisa: ficou a boa lembrança da forma como tudo ocorreu, inclusive as bolsas de estudos que meus filhos tiveram até completar os estudos no Pitágoras”.


Busca por competências

É importante saber buscar as competências que, muitas vezes, não são visíveis nos outros. Para isso, precisamos ter a humildade necessária para conseguir chegar perto do outro e nos interessarmos, genuinamente, pela trajetória e pelos aprendizados dele.


Episódios tristes

Eu sempre reagi aos momentos em que fui, de alguma forma, humilhado, especialmente de maneira pública. Foi assim com o Pedro, que roubava minha merenda no colégio, com o colega de CPOR, que tentou me dar um trote violento, e com o amigo de peteca que esbravejou comigo na época do Plano Cruzado, dizendo que eu estava roubando nas mensalidades dos filhos dele. E também com o irmão do Xumba, naquele domingo no seu bar, quando me xingou por causa de dirigentes de futebol.

São casos que podem não parecer expressivos em relação a toda uma trajetória de vida. É preciso enfrentar de frente, lutar e ser autêntico. Sempre me empenhei para superar esses momentos de tentativa de humilhação.


Sufocos, sim; tristeza, não

E eu passei mesmo por muitos sufocos para ser quem sou hoje. Mas não carrego nenhuma tristeza pelo que sofri. Não há nada, absolutamente nada, por que lamentar; pelo contrário, pois eu superei tudo o que me incomodou. Uma superação física, psicológica e financeira.


Projetos arriscados

Por isso, também, não gosto de me arriscar em projetos incertos. Não se trata de uma cultura de valorização do dinheiro. Afinal, quando ocorre um problema sério, principalmente de saúde, com um parente próximo, ou mesmo um agregado, que depende de recurso significativo, talvez para algo muito sério ou mesmo sua sobrevivência, todos vão olhar para quem poderia resolver o problema. E aí? Nunca fui de distribuir agrados, mas sei que é bom que toda família tenha um porto seguro, especialmente no momento de sufoco e de necessidade.


Refúgio e alegria

Há, na filosofia, um conceito muito simples, segundo o qual a felicidade pode ser sentida quando alguém faz exatamente o que ama fazer, naquela hora e naquele local em que se encontra. Ao que tudo indica, Cabizuca vivenciou essa experiência de felicidade de uma forma muito espontânea.

A partir do momento em que eu entrava em sala para dar aula, eu me abstraía completamente de tudo o mais que ocorria em minha vida. E me refiro, especialmente, às situações que mais me incomodavam e até perturbavam. A presença dos alunos, a cara sempre boa deles na sala de aula, era minha alegria. E não tenho dúvidas: alguns dos momentos de alegria intensa que vivi foram numa sala de aula. Estar ali era diferente de qualquer outra experiência; as pessoas me enchem o espírito, e, além de tudo, ajudar os outros sempre foi um prazer para mim.


Traquejo e pegada

E de onde vinha essa alegria tão grande por estar em sala de aula? Ao longo da vida, Cabizuca foi descobrindo, na prática, as respostas para essa pergunta.

Eu tinha aquele traquejo para dar aula. E aquilo sempre foi um diferencial que abriu portas, como no caso do Frei Eduardo, que acolheu, no Colégio Santo Antônio, nossas primeiras turmas de cursinho. Ele viu que eu era um professor agradável e lidava com os alunos de uma maneira muito boa.

Depois, quando já éramos os cinco sócios atuando juntos, percebi que tínhamos também algo em comum e que os professores dos outros cursinhos não tinham: era a nossa pegada! A forma natural e envolvente de estar em sala e de dar boas aulas. Logo vimos que os concorrentes não tinham aquela pegada. E isso alimentava muito aquele nosso pacto não escrito, cujo objetivo era buscar um lugar na vida.


Mais treino, mais acerto

Nós enfrentamos muitas situações novas ao longo da existência do Pitágoras. Nós sempre fizemos as coisas de modo muito cuidadoso, procurando cercar as possíveis adversidades. Sempre agimos com margem de segurança. Era preciso estar muito bem preparado para tudo. Foi diante dessa realidade que surgiu a frase: “Você tem de treinar, pois quanto mais você treina, mais você acerta”.


Modus operandi

Ao longo dos anos, eu fui desenvolvendo uma maneira própria de gerir minhas atividades no Pitágoras. E nunca deixava nada para depois e nem mesmo para os outros. É pegar, fazer e resolver na hora! Isso ficou muito evidente em alguns momentos, como nos dias que antecediam inaugurações de unidades.


Respeito, apoio e confiança

Sabe aqueles ensinamentos a partir de 1986, do consultor Robert Lamp, que veio ao Brasil para nos fazer refletir? Ele falou sobre a importância de se relacionar com as pessoas por meio do respeito, do apoio e da confiança, nessa ordem. Eu nunca vou me esquecer disso e me lembro dessa tríade praticamente em todos os contatos que tenho com as pessoas.

Enfim, os ensinamentos do Lamp significam, pra mim, uma postura de vida. Eles me ajudaram e continuam me ajudando muito a chegar a esse ponto de bons relacionamentos e gentileza com as pessoas e serenidade em momentos muito difíceis. Lembro-me de que, em 1991, nós fizemos um seminário com professores do Pitágoras, com a participação do instrutor Antônio Roberto, que culminou em um clima muito ruim, com algumas agressões verbais. Eu nunca mais me esqueci disso, pois não precisamos agir assim. Podemos discordar, sem agredir.


Sobrevivência garantida

Eu sempre pensava como seria minha vida de aposentado. Ocorria-me que iria ver estudantes passando por mim, com o uniforme do Pitágoras, e eu não saberia mais quem eles eram! Qual o nome de cada um? Quais aulas teriam naquele dia? Quem seriam os seus professores? Eu tinha essas angústias, até que as coisas foram acontecendo naturalmente e fui me desligando aos poucos. Quando saí da ativa, em 1999, e tornei-me membro do Conselho, achei que não iria sobreviver sem uma agenda diária de compromissos. Mas tudo foi acontecendo de forma natural e com muita sobriedade.


Sonho antigo

No final dos anos 1990, a gente falava em abertura de capital. De certa forma, era, sim, um sonho, mas, ao mesmo tempo, era também algo muito concreto para nossas vidas. Uma possibilidade real, que não ocorreu naquele momento, mas uma década depois, em meados dos anos 2000. Claro, foi tudo muito a duras penas. Algo que não se concretizou num piscar de olhos, mas com base em muito trabalho.


Missão cumprida

Eu faço um paralelo importante em minha vida, em relação a assumir responsabilidades, a partir daquele momento em que ajudei meu pai a pagar o selo para a compra da nossa casa própria. Quando eu tinha 12 anos, já pensava: Como será que vou arrumar um médico quando meus pais ficarem mais velhos? E, de lá até os dias de hoje, muita coisa mudou. Agora, a situação é diferente, pois o número de pessoas pelas quais me sinto responsável é bem maior. Mas não tenho dúvidas de que estou cumprindo minha missão, pois estão todos, filhos, netos e bisneto, muito bem assistidos.

Essa sensação me traz muito conforto, pois posso atender às necessidades dessas pessoas mais próximas. Nunca vou deixar ninguém no desalento.


Atenção difusa

Como é sabido, quando alguém pede para conversar comigo, por qualquer motivo, sei que aquela conversa não vai acontecer em pé. Preciso ser todo ouvidos para me inteirar da situação da pessoa, para a qual procuro dar um alento, mostrar um caminho para melhoria de vida, seja pelo estudo ou pela profissionalização.

Certo dia, vi um vídeo de um senhor de noventa e cinco anos, que tocava sanfona e também dava palestras. Numa delas, ele disse a seguinte frase, que nunca esqueço: “Quando eu me sento para conversar com alguém, é como se eu estivesse conversando com Deus”.


Propósito de vida

Desde criança, eu pensava, com muita firmeza, que pouco importava o que eu fosse fazer na vida. Eu ia sempre procurar fazer o melhor que eu pudesse. Por exemplo: Se eu fosse vendedor de banana no mercado, eu seria um vendedor que iria encantar as pessoas ao vender as bananas, de modo que, sempre que as pessoas voltassem ao mercado, iriam procurar as bananas comigo. E se eu fosse um coletor de lixo, no dia em que o lixo de uma casa não estivesse na porta, eu ia bater naquela residência e dizer que esqueceram de colocar o lixo pra fora. Esse era um propósito de vida pra mim, desde muito cedo: fazer sempre o melhor possível.


Padre Eustáquio: reverência e acolhimento

Cabizuca tem uma antiga relação com Padre Eustáquio, religioso que nasceu em 1890, na Holanda, e faleceu em 1943, em Belo Horizonte. Seus restos mortais estão na igreja que leva o seu nome, na capital mineira. Habitualmente, Cabizuca vai até lá para refletir sobre a vida e conversar com Padre Eustáquio.

Dois anos depois da morte do padre, em 1945, os avós paternos do menino Cabizuca, que estava então com sete anos, vieram a Belo Horizonte pela primeira vez e queriam conhecer a igreja onde o beato Eustáquio vivera e fizera milagres.

Nós fomos até lá, de bonde, para meus avós conhecerem a igreja. A partir dessa época, eu passei a ter uma ligação com a igreja e com o Padre Eustáquio. Aos domingos, quando sinto vontade, eu vou até lá para refletir sobre a vida e a família, quando me dedico a um pensamento mais filosófico.

Faço um exame de consciência e a revisão de como estão as coisas na família e vejo se tem algo que devo mudar ou melhorar em algum aspecto.



Legado dos pais

Desde criança, Cabizuca leva consigo as melhores e mais carinhosas recordações dos seus pais. Segundo ele, o pai sempre foi muito calmo e sereno, a ponto de não levantar a voz para ninguém. E a mãe, por sua vez, era firme e muito exigente. Resumindo, ele diz: “Minha mãe sempre foi a determinação, e meu pai, a bondade”.


Consumismo x conforto

Minha trajetória sempre foi marcada por melhoria na vida, mas eu nunca fui de consumir com exagero e nem de apreciar o luxo. Gosto do conforto e da qualidade, nada mais.

O importante na vida não é comprar isso ou aquilo, mas estar sempre leve. Não precisar buscar nada e ter o prazer de viver com o que eu tenho.


Vocação e trabalho

Minha função principal no Pitágoras sempre foi esta: acompanhar tudo o que acontecia, fazendo sugestões, percebendo o potencial de cada professor e dos outros funcionários, sempre procurando orientar e incentivar.


Kroton: crescimento e futuro

Sonhar com mais 50 anos de Kroton é algo muito tranquilo e viável, porque essa empresa vai se desenvolver cada vez mais. Estamos construindo um belo caminho para o futuro, com uma equipe maravilhosa, cuja idade está em torno dos 40 anos. A Kroton tem, como grandes referências profissionais, a competência e o mérito. Isso é a garantia de que os cargos serão sempre ocupados pelos mais competentes, o que é fundamental. É com essa espécie de tônus muscular que a empresa está crescendo. Tenho, portanto, a maior crença no sucesso da Kroton nos próximos 50 anos!


Atrasos favoráveis

Quem nunca ouviu uma mãe ou um pai repetindo as famosas frases “Estude bem para não perder o ano escolar.”; “Se ficar doente, vai atrasar na escola.”; “Não vá tomar bomba no vestibular.” etc?

O jovem estudante Cabizuca enfrentou diversas dificuldades em seu período escolar, que acarretaram em aparentes perdas de períodos letivos. E sua percepção sobre esses momentos é bem diferente das lições acima.

Logo no início da vida escolar, quando foi morar em BH, ele não pôde entrar para o grupo, pois só se aceitavam matrículas de alunos com sete anos completos, idade que ele só atingiria em setembro do ano letivo. Ele só foi cursar a primeira série, portanto, no ano em que completou oito. Ao entrar para o ginásio, ele perdeu mais um ano fazendo o curso de Admissão, pois, naquela época, na escola pública municipal, os alunos tinham de cursar um ano chamado de Admissão ao Ginásio.

Mais tarde, Cabizuca abandonou o segundo ano do ensino médio (antigo científico) do Colégio Municipal, pois um professor implicou com ele. Ele já estava dando duro no trabalho e não se importou muito. Transferiu-se então para o Colégio Batista, onde repetiu o segundo ano e fez o terceiro.

Dois anos depois, foi a vez da bomba no vestibular, o que o fez ficar um ano se preparando novamente. Depois de aprovado na UFMG, já cursando o quarto ano de Engenharia, teve uma estafa por causa do excesso de atividades profissionais realizadas, além dos estudos. Era, então, o quinto ano que ficava para trás.

Eu não tenho dúvidas de que tudo isso contou a meu favor. Foram momentos de grande amadurecimento pessoal, acadêmico e profissional. Esses anos não tiveram nada de perdidos. Pelo contrário, pois eu ganhei muito.

Minha reprovação na UFMG, por exemplo, deveu-se a um 2,5 em geometria descritiva. Era preciso tirar, no mínimo, 4,0. Pouco tempo depois, eu já era professor da disciplina, não só em cursinhos como também na engenharia do Ipuc (então Universidade Católica). Virei um famoso professor de geometria descritiva, que todo mundo conhecia e reconhecia.

Essa coisa, então, de os pais quererem que os filhos passem rápido em tudo é uma grande bobagem, que não faz o menor sentido. Só não podemos confundir isso com omissão, do tipo “Ah, deixa pra lá!”. Não se trata disso, mas de respeitar o ritmo de cada um. Esses casos demonstram o que tenho afirmado: tudo que me aconteceu na vida, mesmo que aparentemente ruim, sempre me favoreceu!


Três perguntas definitivas

− Você é solitário?
− Sabe o que é? Eu gosto de ser solitário. Eu não sou de ter turma de amigos. Nunca tive, além dos poucos companheiros de uma cervejinha. E veja: ser solitário não é ruim, de forma alguma!

− Você tem medo da morte?
− Não, eu não tenho nenhum medo de morrer, mesmo tendo feito uma cirurgia cardíaca e usar um marca-passo. Minha única angústia é imaginar a possibilidade de a Marilda morrer antes de mim, pois ela me faria muita falta. O que eu vou fazer dentro de casa sem ela? Mas, quando eu sair deste mundo e não puder mais ajudar os filhos e os netos, quero que eles tenham um patamar de vida semelhante ao que o pai, o avô e a avó tiveram.

− Você é feliz?
− Sem dúvida! Sou feliz e tenho enorme vontade de viver. Tenho grande vigor físico e meus planos para os próximos anos incluem exercícios diários e boa dieta. Sem esquecer a vida da fazenda, que tem me ajudado a viver.
Eu tive uma trajetória profissional marcante, que começou no Bar do Roda, onde eu falei com o Walfrido que iria abrir um cursinho e o convidei para participar, e chegou até aqui, com o sucesso da Kroton. Tenho muita satisfação por essas conquistas todas. Isso enche de alegria o meu coração e me traz muita felicidade!

“Imagino, então, meus descendentes – ou até mesmo eu, se ocorrer em meu tempo de vida –, produzindo abobrinha, alface, almeirão, abóbora, brócolis, couve-flor e tudo o mais... e, de preferência, sem agrotóxico. Enfim, poderemos produzir algo muito valioso para a humanidade, e ainda gerar empregos e renda, contribuindo para que mais pessoas sejam mais felizes e mais respeitadas como seres humanos.”

Sandra Maria Cordeiro Cabizuca (16 de novembro de 1965)

Simone Cordeiro Cabizuca (06 de outubro de 1966)

Vitória Cordeiro Cabizuca (21 de janeiro de 1968)

Juliana Campos Cabizuca (25 de novembro de 1974)

Júlio Fernando Cabizuca Filho (09 de janeiro de 1977)

Mariana Campos Cabizuca (22 de agosto de 1981)

“Agora, a situação é diferente, pois o número de pessoas pelas quais me sinto responsável é bem maior. Mas não tenho dúvidas de que estou cumprindo minha missão, pois estão todos, filhos, netos e bisneto, muito bem assistidos.”


Epílogo

Como de costume, Júlio Fernando Cabizuca levantou bem cedo naquela manhã de setembro. Minutos depois, começava o ritual do café da manhã. Serviu-se de um pouco de café puro da fazenda. O menu era variado e bem natural, com iogurte da fazenda, aveia e granola, pão integral, queijo etc.

Passou os olhos pelas primeiras notícias do dia em seu iPad, como sempre fazia. Nada de muito novo ou muito velho naquela manhã de quinta-feira.

Pensou nos compromissos do dia, que incluíam uma reunião de trabalho pela manhã e a academia no final de tarde, como sempre fazia.

De sua varanda, contemplou, mais uma vez, a bela imagem da Serra do Curral. Já sabia de cor cada detalhe do subir e descer daquele relevo.

Aos poucos, o olhar de Júlio foi se descolando do verde-musgo da montanha. Ele parecia enxergar além dela, além dos limites da cidade.

Como num filme em ritmo acelerado, seu olhar foi superando paisagens, passando por rios e florestas. Fez leves curvas à direita e à esquerda, até se perder num horizonte mais abstrato.

Pela primeira vez na vida, o calendário do seu iPad indicava, em letras minúsculas, a data: 20 de setembro de 2018.

Oitenta anos haviam se passado desde o 20 de setembro de 1938.

O olhar de Cabizuca continuava a avançar, feito locomotiva a pleno vapor, em um ritmo confortável e um som metálico muito conhecido por ele. Aquele trem de ferro era, sem dúvida, uma coisa mecânica, que atravessa a noite, a madrugada e o dia. Ele atravessou a vida de Cabizuca e virou só sentimento.

Seu olhar transpôs quilômetros de distância e, finalmente, identificou um pequeno traço lá embaixo, que foi ficando mais próximo, mais nítido. E mais familiar. Era uma viela, um pequeno beco de Três Corações, onde seu olhar estava desembarcando.

Sem voltar a tocar na xícara de café, Cabizuca sentiu o coração disparar e a alma dar um forte arrepio ao identificar, naquele local longínquo, o Beco do Bonésio, por onde um menino de cinco anos, esquecido da vida, andava de velocípede naquela manhã.

Expediente

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