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Lá vai a vida a rodar...



Traquejo docente

Já estudando engenharia desde 1960, Júlio viveu um dos momentos marcantes do curso em 1962, quando fez concurso para monitoria da disciplina geometria descritiva, disputando com outros dois candidatos.

Os outros concorrentes eram muito bons e estavam bem preparados. Mas, naquele momento, eu já tinha um grande traquejo para dar aulas e esse foi o diferencial. Durante o processo, todos assistiam às aulas dos concorrentes e, ao final, estava óbvio que a vaga era minha.

Para Júlio, o salário-mínimo que passou a ganhar como monitor foi muito importante, mas os ganhos iriam bem além da remuneração. Trabalhar diretamente com o titular da disciplina, o catedrático José Cataldo Pinto, foi, sem dúvida, o maior deles. Por sinal, foi o próprio Cataldo quem o convidou para disputar a vaga. Naquele momento, Júlio não poderia imaginar que aquele professor viria a ter uma grande importância na sua vida também mais tarde, como profissional. E até os dias de hoje, como amigo.

O traquejo para dar aulas começava mesmo a fazer diferença na vida do jovem estudante e já professor. Foi quando conheceu também outra pessoa determinante em sua trajetória: Frei Eduardo, diretor do Colégio Santo Antônio e também professor no cursinho Mário de Oliveira.

Como franciscano, Frei Eduardo recebia da Congregação tudo de que precisava, menos dinheiro. Como ele tinha uma irmã morando no Brasil, passou a dar aulas de química no Mário de Oliveira para ter um ganho e ajudá-la. Foi lá que ele me conheceu e viu que eu era um professor responsável e com uma boa forma de lidar com os jovens. Por isso, me convidou para dar aulas no Colégio Santo Antônio.

Muito rapidamente, desde os primeiros anos do curso, a vida do então estudante de engenharia foi ficando cada vez mais concorrida, pois Júlio não parava de acumular atividades.

Além da monitoria, ele dava algumas aulas, à tarde, no Santo Antônio e, à noite, se dedicava ao Mário de Oliveira. Não gastava muito tempo preparando aulas, pois sabia de cor e salteado os conteúdos, especialmente de geometria descritiva.

Mas eu estudava o tempo todo. E, sempre que possível, na própria Escola de Engenharia. Estudava à noite também, até altas horas, muitas vezes na casa de um colega, o Hugo Mendes de Carvalho. Eu e outros estudantes íamos muito para a casa dele, na Rua Timbiras, atrás do edifício JK.



Atividades e fontes de renda

Certo dia, Júlio foi à Prefeitura pagar uma conta de água. Para sua surpresa, encontrou lá vários colegas do curso de engenharia, trabalhando como fiscais de obras. Eles tinham sido contratados como trabalhadores braçais, com desvio de função para fiscal de obra. Júlio, então, não perdeu tempo e buscou se informar sobre o que estava acontecendo.

Procurei me inteirar do tipo do trabalho e verifiquei que eu também poderia trabalhar ali. Imediatamente procurei, na Prefeitura, meu vizinho de rua, Nei Drummond, que era advogado, uma pessoa muito competente e chefe do Departamento de Pessoal da PMBH. Então, perguntei para ele: Como faço para ser também fiscal de obras? E Nei me disse que quem autorizava a contratação era o prefeito. Perguntei, então, como conseguiria falar com o prefeito. Prontamente, Nei me disse:

– Doutor Aminthas vai jantar hoje no Hospital Odilon Behrens e, depois, vai despachar com alguns secretários. Procure o chefe de gabinete do prefeito e diga que você é meu amigo e precisa falar com ele.

Não deu outra. Terminado o jantar, lá estava eu numa fila para falar com doutor Aminthas. Logo depois, estou de pé na frente dele, que me pergunta: “O que você deseja, meu filho?”.

Muito mais do que um convite para dar aulas, aquela aproximação de Júlio com o Frei Eduardo, no início dos anos 1960, seria essencial para a criação de um novo pré-vestibular, em BH, alguns anos depois.

Então, respondi: “Doutor Aminthas, sou estudante de engenharia, minha família luta com dificuldades, vários colegas da Escola de Engenharia estão trabalhando na Prefeitura como fiscais de obras, e eu gostaria de ser contratado também”. Ele olhou para o lado e mandou um auxiliar colocar meu nome num papel, que foi preenchido e assinado por ele. Era a autorização para eu ser contratado como trabalhador braçal com desvio de função.

Saí do Odilon Behrens radiante. Tinha conquistado mais um trabalho. Meu chefe na Prefeitura era o doutor Nogueira, uma pessoa especial. Me recebeu muito bem, me ensinou o trabalho e foi sempre um conselheiro.

No novo trabalho, Júlio pegava os processos referentes a obras em determinado bairro e ia, aos sábados, fazer a fiscalização. Ele atuou na região da Renascença, no bairro da Graça e no Cidade Nova.

Nessa época, eu tinha um jipinho. Com ele, ia até o local da obra, depois de estudar o projeto. Tínhamos de ver se estava tudo de acordo com o que fora aprovado na Prefeitura e verificar o andamento da obra. Como, praticamente, todas as casas tinham financiamento da Caixa Econômica Federal, quase sempre estava tudo certo com a documentação. Assim, numa tarde de sábado, dava para fazer sete ou oito visitas, todas mais ou menos próximas.

Com tantas frentes de trabalho, o jovem estudante estava ganhando dinheiro. A contabilidade era simples: um salário-mínimo como monitor, outro como fiscal; no Colégio Santo Antônio, a remuneração não chegava ao mínimo, mas, em compensação, no Mário de Oliveira, ultrapassava bastante.

Nesse meio-tempo, ele chegou, inclusive, a fazer também um breve estágio na Rede Ferroviária Federal, que ficava bem próximo à Escola de Engenharia da UFMG.

Naquela época, ele ainda morava com os pais e não tinha muitos gastos. Namorava a jovem Aparecida e, aos sábados, ia à casa dela; aos domingos, o casal pegava um cineminha, na sessão das oito da noite. Ocorriam gastos maiores somente algumas vezes, numa saída para jantar. Dois anos mais tarde, em 1964, Júlio e Aparecida se casaram. Eles tiveram três filhas: Sandra, Simone e Vitória.

Um pouco antes, em 1963, surgiu a notícia de que a então Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG) estava implantando, ainda naquele ano, seu primeiro curso de engenharia, com a criação do Instituto Politécnico da Universidade Católica (Ipuc). Ele iria funcionar, inicialmente, nas dependências da então Escola Técnica Federal de Minas Gerais (ETFMG).

E quem seria o responsável pela disciplina Geometria Descritiva do Ipuc? Ninguém menos que seu mestre Cataldo, que imediatamente o convidou para dar as aulas. A sugestão foi prontamente aceita pelo diretor do Ipuc, o respeitado professor Mário Werneck, que tinha sido diretor da Escola de Engenharia da UFMG por muitos anos.

O professor Mário Werneck era um homem muito além do seu tempo, um espetáculo de pessoa. Ele trouxera, para a UFMG, as melhores tecnologias disponíveis à época, assim como ótimos professores da Suíça. Ele tinha boas relações em diversas áreas, inclusive no universo político, e era muito respeitado. Guardadas as proporções, ele tinha um perfil como o de JK.

E o Cataldo, por sua vez, tinha certeza de que eu daria conta do recado como professor do Ipuc, mesmo não sendo ainda formado em engenharia.

Júlio passou a dar aulas duas noites por semana, das 18h20 às 23h. Ele não queria abrir mão de nenhuma de suas atividades e foi acumulando mais e mais compromissos, preferindo continuar com tudo, até que... Até que o estudante-monitor-professor-fiscal-estagiário Júlio Cabizuca, em 1963, no meio do curso de engenharia, teve uma bruta estafa.

Nessa época, eu já trabalhava muito e estava pensando em me casar. Mas acabei perdendo o ano na Escola de Engenharia, devido a uma estafa absoluta e total. Certa noite, eu estava com um pacote de provas para corrigir. Como a prova era de questões abertas, tinha de ler cada questão. Só que eu lia, relia e não conseguia dar uma nota. Pensei: vou ter que jogar a toalha. Foi então que perdi o ano.



O filho engenheiro

Passada a estafa, Júlio voltou a estudar no ano seguinte. Ele acabou não largando nenhuma de suas atividades profissionais, mas estava tranquilo e restabelecido.

O filho de seu Luiz, da Rede Mineira de Viação, cuja aprovação no vestibular da UFMG tinha virado notícia em todo o percurso da ferrovia seis anos antes, estava agora pronto para se tornar engenheiro!

Nós nos formamos em 1965, e cerca de sessenta dos noventa novos engenheiros foram trabalhar na Cemig, onde o salário inicial era de 450.000,00 cruzeiros. Mas eu recebi uma proposta muito melhor de uma construtora de linhas de transmissão para ganhar 600.000,00 cruzeiros. Para mim, aquele salário seria um espetáculo.

O jovem Júlio queria trabalhar como engenheiro e tinha a perspectiva de ganhar mais, mesmo sem o salário da monitoria e o da Prefeitura, pois deixou de ser fiscal de obra. Resolveu também sair do Curso Mário de Oliveira, mas continuou a dar aulas no Ipuc e no Colégio Santo Antônio. Naquele momento importante de sua vida, tinha uma convicção.

Eu estava me formando e sabia que muita coisa iria mudar. Era hora de dar voos mais altos.

O motivo de tantos formandos em engenharia da UFMG, em 1965, terem ido para a Cemig era bem previsível à época.

O País vivia um ciclo de expansão econômica muito promissor, com a valorização da sua produção industrial, o aumento da demanda por energia elétrica e a descoberta do seu potencial hidrelétrico, com muitas usinas sendo viabilizadas.

Em Minas Gerais, a inauguração oficial da usina de Furnas, localizada no Rio Grande – à época, a maior obra da América Latina –, representava também uma grande demanda por novos engenheiros.

Num primeiro momento, Júlio não entendeu bem o motivo do convite da construtora, controlada por um grupo com sede na Itália, mas foi conversar com o responsável na empresa. Eles queriam que Júlio assumisse a função de negociador de contratos para a construção de linhas de transmissão, que era o negócio da empresa. Na função, teria de viajar muito, para fazer as negociações nos estados onde seriam implantadas as linhas.

O diretor me ofereceu 600.000,00 cruzeiros. E eu continuava sem saber de onde eles tiraram que eu poderia ser um bom negociador de contratos. Então, disse que, como professor, conseguia uma remuneração melhor. Sem muito boa vontade, eles chegaram aos 750.000,00 cruzeiros. O diretor era um homem de difícil trato. Fiquei na dúvida, pois, com as viagens, não seria fácil manter as aulas.

Naquele momento, Júlio já estava casado e, evidentemente, se esforçando para garantir uma boa remuneração. Sua primeira filha, Sandra, tinha nascido em 16 de novembro de 1965, no mesmo dia em que ele estava fazendo a prova final do curso de engenharia.

Foi quando recebeu um telefonema que significaria nova reviravolta em sua trajetória profissional.

Eu cheguei do hospital, depois que a Sandra nascera. Nós não tínhamos telefone, mas da casa da minha mãe, que morava em frente, veio o recado para eu procurar o professor Cataldo na construtora dele, a São Marcos.



Um convite muito especial

Aquele padrinho profissional de Júlio estava convidando-o para ser professor da Escola de Engenharia da UFMG. A vaga era para ser professor-assistente da disciplina de geometria descritiva, com uma carga horária de vinte horas semanais. Para Júlio, “ser professor da Escola de Engenharia era, acima de tudo, uma honraria”.

A proposta era muito significativa, pois ele, que estava acabando de se formar em um dos melhores cursos de engenharia de Minas Gerais, já tinha um convite para ser professor da mesma escola.

Em dezembro de 1965, o jovem engenheiro ganhou o último salário-mínimo como monitor. E no começo do ano, já estava empregado como professor, ganhando os mesmos 450.000,00 cruzeiros dos engenheiros da Cemig, mas por uma jornada de vinte horas semanais. Na prática, seu salário equivaleria ao dobro do pago pela estatal e era proporcionalmente melhor também do que os 750.000,00 cruzeiros da construtora; além do mais, ele poderia continuar a dar aulas tanto no Ipuc quanto no Colégio Santo Antônio. Naquele momento, ficou claro para ele: Júlio não seria engenheiro, seria professor.

Um episódio ocorrido, dois anos antes, entre o mestre e o discípulo monitor poderia até ter criado arestas entre eles, pois Cataldo chegou a ficar chateado. Mas o fato, na verdade, foi decisivo para que Júlio recebesse o honroso convite para ser professor da UFMG.

Na época, os professores catedráticos da Escola de Engenharia tinham um bom padrão de vida e era comum todos fazerem uma longa viagem para a Europa, que durava de dois a três meses. Aproveitavam para comprar muitos produtos que não chegavam ao Brasil. Alguns despachavam esses produtos até por contêineres de navios. Era a viagem da vida deles.

Eis que o professor Cataldo programara uma dessas viagens com a esposa, dona Cecília. Antes, porém, combinou com seu monitor que ele ficaria em seu lugar, dando suas aulas de geometria descritiva.

Cabizuca relembra: “Eram as mesmas aulas que eu já dava no Ipuc, como professor, por isso foi tranquilo. Com o passar dos dias e da convivência em sala, os alunos foram se apaixonando pela minha maneira de dar aulas, que era muito descontraída. Como ex-aluno, sabia quais eram as dificuldades da disciplina, de modo que fui transitando com a maior desenvoltura pelos conteúdos”.

Ocorreu, então, o inesperado: no retorno de Cataldo, os alunos queriam a permanência do monitor. E entre os estudantes, sempre existiram aqueles mais atrevidos.

Não deu outra: ao retomar as aulas, Cataldo chama Cabizuca na sala dele, no oitavo andar da Escola da Engenharia da UFMG, e parte para cima:

– Ora, Cabizuca, o que você fez com aqueles meninos que eles me receberam dando pedradas?

– Professor, eu só dei as aulas, como combinado...

– Se é assim, então, pode continuar. Falta mesmo pouco tempo para o semestre letivo acabar!

Júlio voltou para a sala de aula e foi recebido com palmas.

Como dito, esse episódio nem arranhou as boas relações entre o professor Cataldo e Cabizuca. Como se verá, eles voltariam a se encontrar em muitos momentos da vida pessoal e profissional.



Mário de Oliveira e a concorrência

Em 1965, o convite que Júlio recebeu de Cataldo para ser professor da UFMG fez com que a proposta da construtora de linha de transmissão, apesar de muito atraente, perdesse o sentido para ele.

Àquela altura, a construtora já não me interessava mais, mas eu tinha de dar uma satisfação para o diretor. Chegando lá, não queria falar assim, na lata, que aquela oportunidade não me interessava mais. Cheguei macio, dizendo que havia surgido um problema e tal. Ele já partiu para cima de mim, esbravejando: “Não vai me dizer que você quer ganhar ainda mais”.

Foi uma grosseria da parte dele. Então, eu disse apenas: “Estou aqui para dizer que preferi aceitar um convite para ser professor da Escola de Engenharia da UFMG. Muito obrigado”. Me levantei e fui embora.

A carreira profissional do jovem Cabizuca parecia estar se definindo rapidamente, naquele final de 1965 e início de 1966. Ele se tornou, numa projeção meteórica, professor dos dois cursos de engenharia existentes em Belo Horizonte – o da UFMG e o do Ipuc. E manteve as aulas no Colégio Santo Antônio. Com os três empregos, contabilizou à época, daria para viver direitinho.

Era hora, inclusive, de sair do Curso Mário de Oliveira, até porque algumas ideias que lhe passavam pela cabeça, já há algum tempo, seriam incompatíveis com o emprego naquele pré-vestibular que poderia vir a ser seu concorrente.

Com essas definições, era hora de baixar a poeira e se concentrar na nova rotina. Porém, mal imaginaria ele a reviravolta – mais uma – que iria ocorrer em sua vida, menos de quatro meses depois, a partir do dia 11 de abril de 1966.



Não tinha dúvidas

Relembrando aquele período tão fértil de sua vida profissional, o hoje empresário Cabizuca justifica seus planos, que iriam mudar para sempre os rumos de sua vida.

De repente, eu era professor das duas melhores escolas de engenharia e tinha um conhecimento muito grande do mercado de pré-vestibulares. Sem dúvida, tudo isso era um grande cacife. Além de já acumular uma boa experiência como professor, inclusive no maior cursinho da cidade, o Mário de Oliveira.

Ora, era inteiramente natural eu querer montar um pré-vestibular próprio. Não tinha a menor dúvida sobre isso. Afinal, eu sabia muito bem preparar alunos para o vestibular.

E era muito conhecido por estudantes e pais de alunos de cursinho. Meu nome é difícil de aprender, mas, uma vez aprendido, ninguém mais esquece. Tinha todo o feeling para trabalhar com educação e amava fazer isso.

O relacionamento entre Cataldo e Cabizuca foi, realmente, muito além do profissional, pois eles criaram ótimos laços pessoais. Recentemente, do alto dos seus 91 anos, Cataldo relembrou, com carinho, essa amizade:

Eu conheci o Cabizuca quando ele era estudante de engenharia. De lá para cá, tivemos uma amizade muito boa e sadia. Na verdade, eu sempre fui o guru e o mentor dele – uma espécie de confidente. Sempre que ele tinha um problema, me perguntava o que eu achava. Tudo ele me contava, não escondia nada de mim. Até que, um dia, ele me largou de mão! (risos)

Ele foi meu aluno e meu monitor na disciplina de geometria descritiva. Como ajudante, ele era, assim, meia-boca, mas quebrava o galho (mais risos).

Depois, o convidei para ser professor-assistente na UFMG e também o indiquei para o Ipuc. Eu sempre chamava o Cabizuca porque conhecia a capacidade que tinha. E ele se deu muito bem na vida.

É um cara sensacional, que veio de uma família muito simples e teve uma vida muito difícil. Mas venceu a parada. Por isso, merece tudo o que conquistou, com mérito no trabalho, na capacidade intelectual e na inteligência.

Eu tinha certeza também de que o Pitágoras ia dar certo, porque conhecia todos eles e sabia que eram ótimas pessoas e conhecedores do assunto.

O primeiro apartamento que vendi para ele foi por um preço mais barato, na Rua Caratinga, pois eu mandava nos preços e gostava muito dele.

Sabe, o Cabizuca é um cara feliz, alegre e realizado. Um amigão!

Nesse meio-tempo, surge uma oportunidade de ouro: em janeiro de 1966, vem a notícia de que o Ipuc estava criando um novo curso de engenharia para início das aulas em agosto daquele ano. O curso seria de Engenharia de Operações, e o vestibular seria realizado em julho. Foi então que o jovem professor Cabizuca começou a pensar em montar um cursinho para atender aos estudantes interessados em fazer esse novo vestibular.



Criação do Pitágoras

Com a certeza de que aquele era um caminho sem volta, o quase empresário Júlio Cabizuca começa a traçar as estratégias para a montagem do cursinho. Sabia que precisava definir algumas questões essenciais: o local, os sócios, o nome, a marca e, obviamente, os alunos, para dar o pontapé inicial.

Aos poucos, Júlio começou a conversar com as pessoas sobre a ideia de montar um cursinho. Mas como ele já tinha fama de trabalhar demais – e em diversas frentes –, certa noite, em uma festinha, ouviu um comentário que virou piada.

Paulo, irmão de Mazoni, estava presente e ficou sabendo da história de Júlio sobre a abertura do curso. No meio de uma roda de amigos, soltou a pérola, puxando gargalhadas dos presentes:

– Então, Cabizuca, você vai abrir um cursinho? Só se for para trabalhar das quatro às sete da manhã, né?



O local

A ideia do local surgiu naturalmente: por que não pensar em uma sala nas dependências do Colégio Santo Antônio, onde ele já dava aula e era amigo do Frei Eduardo? Aquele era um dos poucos colégios que funcionavam à noite, pois oferecia cursos de alfabetização para adultos de baixa renda, como motoristas, cozinheiras e babás, no rol de suas ações sociais. Era comum esses trabalhadores dormirem, nos dias de semana, nas dependências de empregados das amplas casas ou palacetes em que trabalhavam na região central de BH.

O Frei confirmou, prontamente, que poderia ceder o espaço. Em contrapartida, pedira uma contribuição de 5% da receita para as obras sociais que mantinham em Sarzedo, próximo a BH. Nesse percentual, estavam incluídos os custos da sala com carteiras, água, luz, telefone, portaria e duas secretárias que eu conhecia muito, a Eni e a Cristina.

Sem dúvida, a amizade dos dois, iniciada no Mário de Oliveira, ajudou a selar a parceria de confiança, pois ambos conheciam a seriedade um do outro.

Júlio não tinha dúvidas de que valeria a pena também agregar a imagem do pré-vestibular à do Colégio Santo Antônio, que já tinha excelência de ensino na cidade. Ou seja, as condições não poderiam ser mais favoráveis. Se tudo desse errado, não haveria prejuízo, pois não havia nem aluguel a pagar.



Os companheiros

O primeiro nome que veio à mente de Júlio foi, naturalmente, o do seu amigo e vizinho Walfrido dos Mares Guia.

Não tinha a menor dúvida de que o Walfrido seria o primeiro companheiro a ser convidado. Nós éramos vizinhos, e a casa da família dele era muito próxima da minha, uns duzentos metros. Ele já tinha uma inserção na vida social da cidade, o que também seria bom para nosso empreendimento.

O Walfrido já era estudante de engenharia e também professor do Colégio Arnaldo, por sinal, muito bem avaliado pelos alunos. Chegou também a dar aulas no Mário de Oliveira. Quando fiz a proposta, ele topou na hora, como sempre foi típico dele. Eu até costumo chamá-lo de otimista de plantão.

A famosa cena da primeira conversa sobre a criação do Pitágoras entre Júlio e Walfrido, muitas vezes lembrada nos aniversários da instituição, ocorreu depois de uma missa de domingo de manhã, na Igreja São Pedro, no Floresta. Eles foram para um barzinho em frente à igreja, a Mercearia Real – que, logo depois, se transformou no Bar do Roda –, e se sentaram em uma mesinha para dois, próximo ao sanitário. Júlio pediu uma cerveja, e Walfrido, uma coca-cola.

Júlio disse que estava querendo fundar um pré-vestibular e que já tinha uma sala e tal. Perguntou se o amigo topava, e a resposta veio de imediato. Era o início de 1966, e Júlio sabia que, pela primeira vez na história, haveria vestibular no meio do ano em Belo Horizonte, na Universidade Católica, e para um curso de engenharia. Ou seja, não havia tempo a perder.

O segundo e o terceiro nomes que surgiram foram os de João Lucas Mazoni, que era professor da Escola de Engenharia da UFMG e tinha um ótimo nome na praça, e de Marcos Mares Guia, irmão de Walfrido, que tinha acabado de voltar dos Estados Unidos com o título de PhD em bioquímica.

O Mazoni era muito próximo a mim, além de ser também vizinho do bairro. Ele me indicara para seu lugar no Mário de Oliveira, e nós tínhamos acabado de elaborar e produzir juntos um livro de geometria descritiva.

Já o Marcos era muito conhecido na Escola de Medicina, principalmente pela avaliação que obteve no PhD. Tudo isso era importante para dar consistência à equipe e, naturalmente, serviria também como marketing nosso.

O Marcos não se envolveu tanto na organização do negócio. Topou de cara, mas disse: “Olha, quando estiver tudo pronto, vocês me falam que eu vou dar as minhas aulas”.

Na época, os exames vestibulares só tinham as provas específicas de cada área. Por isso, havia cursinhos voltados só para exames específicos, como os de engenharia e os de medicina, por exemplo. Isso só mudou em 1969, quando o Ministério da Educação e Cultura (MEC) instituiu o chamado Vestibular Único, com provas de todas as disciplinas para todos os cursos.

A equipe já tinha os professores de exatas, química e geometria descritiva. Faltava alguém bom em física para que o grupo cobrisse todas as disciplinas dos vestibulares de engenharia.

Ao pensar um nome para a área de física, Walfrido lembrou o de uma já conhecida professora da UFMG, um pouco mais velha que a média do grupo e muito experiente.

Essa sempre foi uma marca do Walfrido: pensar lá em cima, na última prateleira da estante. Mas eu achei que poderíamos buscar alguém mais próximo, com perfil mais semelhante ao nosso. Sabia que precisávamos formar um grupo em que todos estivessem irmanados naquilo.

Propus, então, uma alternativa. Era um professor de um cursinho chamado Frei Bertran, que funcionava internamente no Colégio Santo Antônio, com professores de lá. Já tinha assistido a uma aula dele de física e gostado bastante. Era muito sério e muito bom de serviço. Ele também estudava engenharia e logo tive a certeza de que seria um grande companheiro. Seu nome? Evando Neiva.

Walfrido aquiesceu e concordou em fazer o convite ao jovem professor.

Lembro-me da cena até hoje: Evando estava descendo uma escada no Colégio Santo Antônio quando eu o abordei com o convite. Ele parou no último degrau e, ali mesmo, aceitou a proposta. Evando era um pouco mais novo que nós, tinha vinte e um anos. Como ele mesmo já disse, seria o nosso dente de leite.

Cabizuca, Walfrido, Mazoni, Marcos e Evando: estava assim constituída a equipe de sócios que iria fundar o novo pré-vestibular!

Nós estávamos em busca do nosso lugar na vida. Queríamos crescer juntos. Aquilo era, sem dúvida, um pacto – que não estava escrito, mas era algo implícito nas nossas relações. A boa convivência só dependia de nós. Tinha tudo para dar certo, desde que houvesse sempre confluência de propósitos e de obrigações.

E, realmente, foi o que aconteceu. Naquele momento, eles não faziam ideia do futuro sucesso do empreendimento, que, décadas depois, se tornaria uma das mais respeitadas instituições de ensino do País e, posteriormente, daria origem à maior organização educacional do mundo em número de alunos.

Certa vez, ao relembrar esse momento de criação do Pitágoras em uma entrevista, Júlio foi indagado por um jornalista:

– Com todo o seu espírito empreendedor, não seria mais lógico pensar em abrir um negócio só seu, sem buscar sócios, e simplesmente contratar professores para dar aulas?

Ele lhe deu a seguinte resposta:

– Essa é uma ótima pergunta, sobre a qual pensei muito à época. Mas, em primeiro lugar, essa coisa de ser dono sozinho, sem compartilhar tudo com outras pessoas, sempre me incomodou. E, afinal, era um empreendimento que estava nascendo, tinha de ter força, muito empenho e dedicação. Não era uma iniciativa só para um. E não poderiam ser funcionários. Era preciso gerar muita sinergia. Ter pessoas brilhantes como sócios e também como professores. Esse seria o nosso diferencial. Não dava para pegar alguém que mal sabia dar aulas e colocar em sala. E, ademais, não havia necessidade nenhuma de ser dono sozinho.



O nome

Formada a equipe, chegava o momento, então, de escolher um nome para o pré-vestibular. Era comum, à época, cursinhos terem nomes de teóricos da educação. E, assim, partiu de Júlio Cabizuca a proposta de utilizar o nome do criador do famoso teorema.

Eu levei o nome Pitágoras para os companheiros. Era impossível algum estudante chegar ao científico sem saber quem foi Pitágoras ou sem ter estudado o Teorema de Pitágoras na então oitava série. Eu dava aulas de matemática e sabia que aquele era um nome fácil. Eu já pensava no logotipo, mas ele só foi surgir um pouco depois. Acho que surgiram outras ideias de nome, porém, não me lembro quais. “Pitágoras” era imbatível.

Os sócios concordaram com a sugestão. Afinal, todos tinham algum envolvimento com a matemática. Estava criado, portanto, o Curso Pitágoras, que iria fazer frente aos demais cursinhos de BH, muitos com nomes de famosos nas ciências, como Laplace, Max Planck e Champagnat.



O anúncio

O próximo passo seria cuidar da primeira propaganda do curso. Eles decidiram que seria fundamental fazer uma pequena publicidade anunciando o lançamento, para fomentar a captação de alunos já para aquele vestibular do meio do ano.

Fomos eu e o Walfrido para a Lanchonete Nacional, na esquina das ruas da Bahia e Goiás, no Centro de BH, ao lado do prédio onde funcionava o jornal Estado de Minas, onde iríamos publicar o anúncio em formato de um tijolinho. Abaixo do nome, já vinha uma informação valiosa: Anexo ao Colégio Santo Antônio. Ou seja, não era um curso qualquer, que funcionaria anexo a um colégio lá nos cafundós. E os telefones para mais informações eram também de lá, como já dito, sob os cuidados da Eni e da Cristina.

O anúncio custou 10.000,00 cruzeiros e foi pago por Júlio. Foi publicado uma só vez, numa edição de domingo. Aquele era, portanto, o primeiro investimento realmente de risco do grupo, pois não havia nenhuma garantia de retorno. Foi veiculado alguns dias antes do início das aulas, que começariam logo após a Semana Santa.

Aquele poderia ter sido um tiro na água, pois havia chance de não aparecer nenhum aluno. Eu ficava em contato com Eni e Cristina, secretárias do Colégio Santo Antônio, perguntando: “Como é? Apareceu alguém?”. Nós também partimos para a divulgação boca a boca, com os estudantes que conhecíamos na Floresta e nos locais onde trabalhávamos. O Evando e eu divulgamos no Colégio Santo Antônio, e o Walfrido, no Arnaldo. O Mazoni estava na Escola de Engenharia, e o Marcos, na Faculdade de Medicina. Tudo isso ajudava.

primeiro anuncio do Pitágoras

Uma das estratégias do Pitágoras foi colocar a mensalidade em 55.000,00 cruzeiros, um valor abaixo do praticado pelo maior concorrente, o tão poderoso Curso Mário de Oliveira, que, por sinal, tinha tornado o seu preço bem mais salgado, justamente naquele ano.



Os alunos

No fim das contas, com base em todos os esforços de divulgação, o Curso Pitágoras começou suas aulas com uma turma de 35 alunos.

Aquela primeira turma tinha uma característica peculiar. Como estava focada no primeiro vestibular de meio de ano, praticamente todos os alunos já tinham feito um vestibular e não tinham sido aprovados. Era uma nova oportunidade, e havia pouco tempo de preparação, mas não existia marinheiro de primeira viagem. Isso nos permitiu criar algumas estratégias de aulas.



O início

As aulas do Curso Pitágoras começaram, pontualmente, no dia 11 de abril de 1966, e Walfrido foi quem deu a primeira aula. Elas foram planejadas para acontecer em abril, maio, junho e no comecinho de julho, até as vésperas do vestibular. Era um curso de duzentas aulas, praticamente todas de exercícios, por causa do perfil da turma. Enquanto isso, os sócios já pensavam na forma de buscar mais alunos a partir do segundo semestre do ano.



O sucesso

Para alegria dos cinco sócios, nada menos do que 33 dos 35 alunos foram aprovados no vestibular do meio do ano da Universidade Católica.

Júlio, Walfrido, Evando, Marcos e Mazoni tinham tudo o que comemorar. Afinal, não era todo dia que surgia um curso pré-vestibular que emplacava 94,2% de aprovação logo na primeira turma, com pouco mais de três meses de aulas de preparação.

Naquele momento, os sócios optaram por uma estratégia que seria uma das grandes marcas do Pitágoras ao longo de décadas: a ampla divulgação da sua lista de aprovados.



O logotipo

À época, Júlio havia conhecido, no acaso daquelas boas conversas de botequim, uma pessoa que seria muito importante nas futuras estratégias de marketing do Curso Pitágoras – o jornalista e publicitário Edson Zenóbio . Ele fora repórter e, depois, gerente comercial do jornal Diário da Tarde, do mesmo grupo do jornal Estado de Minas, do qual se tornaria, mais tarde, diretor-geral.

O Zenóbio sempre nos ajudou na área de marketing e nunca quis aparecer. Eu o conheci tomando cerveja em um bar, e a gente falava muito de futebol, pois ambos éramos cruzeirenses. A gente ia muito ao Botequim do Português, onde assentávamos em uns engradados de madeira. Vira e mexe, havia uns pregos a nos espetar.

Um das primeiras contribuições de Edson Zenóbio para o Pitágoras foi a indicação de um jornalista chamado Gibi, que também atuava como publicitário, fazendo criação de marcas. Zenóbio e Gibi trabalhavam na agência ASA, uma das principais precursoras da propaganda em Minas, criada pelo publicitário Edgard Mello.

Gibi recebeu, então, a solicitação para criar o logotipo do Pitágoras, juntamente com as explicações sobre a questão do triângulo. Apesar de a expressão geral do Teorema de Pitágoras referir-se a um triângulo retângulo escaleno (o que tem os três lados com medidas diferentes), Gibi aplicou na área central de sua marca um triângulo retângulo isósceles (o que tem dois lados com a mesma medida).

Ele pegou um caso específico do Teorema, e não o geral. Mas ficou bem bonito e, principalmente, bem equilibrado. E esse detalhe iria, inclusive, facilitar a reprodução da marca nos mais diversos tamanhos e situações. A partir de um círculo qualquer, é possível traçar um diâmetro e um segmento perpendicular a ele, passando pelo centro. Unindo os três pontos no círculo, teremos o triângulo retângulo e isósceles que dá origem ao logotipo. Para ter a marca, basta construir três quadrados com os lados desse triângulo. A proposta do Gibi estava aprovada.

primeiro logo do Pitágoras


A expansão

Com a publicação da lista dos aprovados na imprensa e, principalmente, com a divulgação daquele surpreendente índice de aprovação, o nome Pitágoras começou a aprofundar suas raízes no mercado de pré-vestibulares de Belo Horizonte. Os demais cursos preparatórios passariam a conviver, então, com a ascensão exponencial daquele curso recém-criado por cinco idealistas.

Era, portanto, hora de crescer e, para isso, o Curso Pitágoras precisaria de um espaço próprio. No final de 1967, os sócios resolveram ter uma unidade no Centro, a qual seria um espaço próprio para o Pitágoras e para contemplar os três turnos, pois, no Colégio Santo Antônio, o cursinho funcionava somente à noite. Foi então que encontraram o prédio na Avenida Álvares Cabral, número 327, esquina com Rua da Bahia (o prédio não existe mais, foi demolido). Alugaram o segundo andar e fizeram toda a reforma, o que foi um grande risco!

Desde aqueles primeiros dias de Curso Pitágoras, Júlio nunca teve dúvidas sobre a viabilidade financeira do empreendimento.

Eu sempre senti que ia dar certo. Não tinha como ser diferente. Onde é que poderia dar errado? A gente já ouvia falar, por exemplo, naquela época, do Curso Objetivo, em São Paulo, que já era bem antigo e bem-sucedido. Na verdade, eu sempre vi o Curso Pitágoras como um bom negócio, desde os primeiros passos.E a remuneração, mesmo nos primeiros tempos, era muito significativa.

Em maio de 1966, um mês após o início das atividades do Curso Pitágoras, tinha chegado um momento muito esperado – o do primeiro rateio da receita mensal gerada pelo novo negócio.

Como ainda não havia na empresa um setor financeiro, uma seção de contas a pagar ou algo do gênero, o local escolhido foi nada menos do que o Chez Bastião, bar de Tuíca Rabelo, ali mesmo perto do Colégio Santo Antônio, na região da Savassi.

Júlio se lembra, com humor, do local.

Nós fomos lá para o fundo, numa parte escura que tinha apenas uma luz mortiça, meio azulada. Enfim, um local ideal para um casal tirar um sarro, entre um gole e outro.

Mas, no lugar de um casal apaixonado, lá estavam os cinco marmanjos. E, no meio da mesa, ao invés de uma romântica garrafa de vinho, Walfrido, o responsável pelas finanças, colocou nada menos do que uma caixa de sapatos.

Dentro dela estava o dinheiro referente ao primeiro mês de atividade do Pitágoras!

Júlio não se lembra do valor, mas, numa conta rápida, é possível estimá-lo em torno de 1.820.000,00 cruzeiros – ou seja, os 55.000,00 cruzeiros da mensalidade vezes 35 alunos e menos os 5% da parte entregue ao Frei Eduardo para as obras sociais em Sarzedo. A divisão, muito justa, foi proporcional ao número de aulas dadas pelos sócios, individualmente.

Só para se ter uma ideia, se o valor fosse dividido igualmente entre eles, cada um teria ganhado em torno de 360.000,00 cruzeiros. Não era muito menos que o salário de 450.000,00 cruzeiros oferecido aos engenheiros, à época, pela respeitada Cemig.

Ou seja, levando-se em conta toda a circunstância, o Curso Pitágoras, logo no primeiro mês de existência, já se projetava como um grande negócio para todos os sócios.



Muita estrada pela frente

Após aquela arrancada inicial, com os 33 alunos aprovados no Ipuc, o segundo semestre de 1966 se desenhava como uma larga avenida em construção e muitas perspectivas de crescimento. A conjunção do bom resultado com a boa divulgação dessa performance fez com que a secretaria do pré-vestibular Pitágoras fervilhasse de jovens interessados em se prepararem naquele novo cursinho.

E o crescimento no número de alunos matriculados foi formidável: nada menos do que 414%, passando dos 35 da primeira turma para 180 estudantes. Aquele cursinho que mal havia nascido já era obrigado a crescer rapidamente. Foram criadas, então, mais duas turmas, sempre à noite, ainda nas dependências do Colégio Santo Antônio.

Naquele momento de expansão, sempre vinha à mente de Júlio Cabizuca uma conversa que ouvia nos tempos em que trabalhava no Curso Mário de Oliveira.

Eu lembro que comentei com o Mário: – Professor, todo mundo fica falando por aí que cursinho vai acabar, pois eles são, muitas vezes, malvistos e não vão fazer concorrência aos colégios, que preparam melhor seus alunos de científico. O Mário deu uma gargalhada e me disse: – Desde 1938, quando eu comecei a dar aula em cursinho, há essa conversa. Não existe isso. Sempre haverá pessoas querendo estudar e se preparar melhor para alguma coisa. Quem fala isso é gente preguiçosa, que gosta de desvalorizar o trabalho dos outros.

No ano seguinte, em 1967, aquele sucesso nas matrículas se repete, e o número de estudantes chega a 250, divididos em seis turmas. Aos poucos, vão surgindo demandas por aulas nos turnos da manhã e da tarde, mas o pré-vestibular Pitágoras não poderia oferecer turmas nesses períodos, pois as salas do Santo Antônio só estavam disponíveis à noite.

A estratégia de utilização de jornais, para se divulgarem os aprovados, estava surtindo efeito.

Eu me lembro de que o Edson Zenóbio vinha nos orientando e nos dava crédito para pagar a publicidade. O anúncio dos 33 aprovados no Ipuc foi de meia página e publicado na última página do caderno de Esportes do Diário da Tarde, na edição de segunda-feira, que tinha uma grande penetração devido ao noticiário do futebol de domingo.

Aquilo foi uma pancada na concorrência e uma surpresa para a população. Bateu na cidade como um todo. Acabamos investindo um bom dinheiro nos jornais Estado de Minas e Diário da Tarde.

De madrugada, cartazes em postes


Diante da perspectiva de expansão do pré-vestibular – com a inauguração da unidade na Avenida Álvares Cabral com a Rua da Bahia, no prédio do antigo Castelinho, em reforma para abrigar o cursinho –, os sócios perceberam que era preciso investir nessa divulgação. Ainda sem recursos para fazer publicidade de modo mais profissional, eles seguiram uma recomendação de Edson Zenóbio, que continuava ajudando nas estratégias de marketing.

Nós precisávamos fazer frente à concorrência. Além do curso Mário de Oliveira, havia outros, como o José da Silva Brandão e pelo menos mais dois que funcionavam, respectivamente, dentro da Escola de Engenharia e da Escola de Medicina. O Zenóbio sugeriu uma opção bem barata e eficaz: pregar cartazes em postes, no Centro da cidade, para divulgar a nova unidade. Mas disse: “Se vocês forem pagar uma empresa para colar os cartazes, eles vão jogar a metade no Rio Arrudas e colar o resto de qualquer jeito”.

Então, era preciso ter alguém de confiança para fazer isso. Como era período de férias e meus sócios estavam viajando, a decisão seria só minha. Optei por escolher alguém de minha total confiança, ou seja, eu mesmo. Chamei o Marcinho e o Nestor, que já trabalhavam conosco. Arrumamos uma kombi com um motorista que só trabalhava de dia e fomos à luta. Já sabíamos que iríamos passar várias noites por conta daquela dura tarefa. Em algumas vezes, os sócios participaram da empreitada.

Quem passou também a integrar a “equipe” foi a dona Carmen, mãe de Cabizuca. Durante o dia, ela preparava o grude (um tipo de cola caseira), que era feito no fogão a querosene instalado na área externa da casa em que eles moravam, na Rua Buarque de Macedo, no bairro Floresta. Cabizuca lembra-se da cena, pois a chama sempre se apagava quando o fogão ficava um pouco desnivelado e o querosene não conseguia chegar à trempe. A mãe usava colheres de pau para misturar o grude nas latas de vinte quilos, que, originalmente, eram vendidas com banha.

Nós saíamos depois das dez da noite e levávamos uma escada para pregar os cartazes, em pontos mais altos, nos postes. E aconteciam casos inusitados. Como na noite em que topamos com outro grupo – eles, sim, remunerados – também pregando cartazes em postes da Avenida Afonso Pena. Eu logo antevi o problema: ou eles iriam colar cartazes por cima dos nossos, ou o contrário. Ou seja, aquilo não ia dar certo.

Então, propus ao chefe deles uma espécie de armistício para um grupo não atrapalhar o outro: “Hoje vocês pregam os seus cartazes nos postes de um lado da avenida, e nós, do outro. Depois, nos outros dias, a gente vê como fica”. Eles toparam. E veja que os cartazes deles eram de um curso supletivo chamado Visão, ou seja, nem eram de concorrentes nossos. Não estávamos ali disputando mercado, mas apenas os postes!

É o cursinho do Walfrido?


Em outra ocasião, Cabizuca e sua equipe noturna estavam pregando cartazes em postes, nas proximidades de um galpão, que comportava grandes shows em BH e ficava perto de onde hoje está localizado o shopping Diamond Mall. À saída do show, no qual se apresentara um jovem cantor chamado Caetano Veloso, uma das moças viu o pessoal pregando os cartazes e indagou: “Ah, esse é o cursinho do Walfrido?”

Disse que sim, satisfeito com o fato de ela ter reconhecido o cursinho. Ou seja, não era qualquer um que ia naquele show. Para isso, era preciso ter algum poder aquisitivo. E comprovei, naquele momento, que o Walfrido era conhecido naquele meio. Ou seja, ele não era só um bom professor, como também ajudava a atrair uma clientela que nos interessava.

No final daquelas noites de muito trabalho, já pelas quatro horas da manhã, sempre havia uma recompensa para todo aquele esforço: a maratona de pregar cartazes terminava em um bar, na subida da Rua da Bahia, logo depois da Avenida Afonso Pena, o qual servia um belo sanduíche de pão com linguiça.

Era um bar comprido, que nunca fechava. Nosso dinheiro não dava para comprar o kaol (prato feito da época, muito bem servido, com arroz, linguiça e ovo), que estava em outro patamar, mas a gente aproveitava bem aquele farto sanduíche. Era assim que a gente encerrava a noite. E acho até que tinha gente no grupo que só ia pregar os cartazes para esperar a hora do pão com linguiça.

Era crescente a procura dos estudantes. De tal modo que, ainda em 1967, com apenas um ano de existência, o pré-vestibular teve de ampliar a oferta de turmas, especialmente para oferecer aulas no turno da manhã.

Já em 1967, nós vimos que era absolutamente necessário ter um local para funcionar nos três turnos. Então saímos – Walfrido, Mazoni e eu – para procurar novos pontos. Achamos um local muito bom, num prédio na Avenida Afonso Pena, que tinha saída também de frente para o viaduto Santa Tereza, com um grande hall. Era um ponto bem central, mas o aluguel estava caríssimo. Encontramos, então, outra opção, que deu certo.

Os sócios se depararam, na esquina de Rua da Bahia com Avenida Álvares Cabral, com um predinho, conhecido como Castelinho, onde já havia funcionado uma repartição pública. O imóvel estava em péssimas condições e exigia uma boa reforma.



Segredos do pinho-de-riga

Logo descobriram o dono: o lendário empresário Antônio Luciano, então proprietário de centenas de imóveis em BH. A negociação foi com um sobrinho dele, que disse: “Meu tio não vende, mas aluga por 5.000,00 cruzeiros. Podem fazer a reforma que quiserem, até derrubar o prédio. Mas tudo por conta de vocês. Meu tio não gasta um tostão com obra”.

Os cinco sócios fecharam o acordo. Mas passaram a ter um grande problema: não tinham dinheiro para a reforma. Seria preciso buscar um empréstimo.

Aquele momento foi muito delicado, pois era a primeira vez que iríamos, efetivamente, correr o risco de uma possível falência. Afinal, teríamos de gastar muito mais do que tínhamos para fazer a reforma.

E o que eles possuíam não era mesmo muito. Dos cinco, apenas Cabizuca e Mazoni tinham apartamento para garantir o empréstimo. Mas ambos tinham algo mais em comum, o que seria a saída para o problema: trabalhavam com José Cataldo, o catedrático da Escola de Engenharia.

Eles levaram Cataldo até o prédio. Ele olhou tudo, depois conferiu de novo. Com um olhar muito vivo, falou: “Eu faço a obra para vocês. Financio os custos e vocês vão me pagando devagarzinho. Agora, tem uma coisa: vou tirar esse piso que está aí, porque ele está muito feio. Tirar com os barrotes e tudo”.

Ao visitar a obra, o experiente Cataldo logo percebeu que havia uma preciosidade ali. Por isso, valia a pena financiar a reforma e ajudar os jovens empreendedores. A ideia de trocar o piso, retirando a madeira velha, fazia todo sentido. De cara, ele viu que o chão era feito por vigas do valioso pinho-de-riga, importado diretamente da Rússia. Cabizuca e os sócios só foram saber disso quando Romeu, dono de uma carpintaria no Floresta, visitou a obra. Cataldo não gostou nem um pouco da descoberta. Houve certo mal-estar, mas, no final, tudo se ajeitou. A reforma foi realizada, o dono do imóvel nem quis saber o que era feito por lá, e o cursinho começou a funcionar...

Ah, e a madeira? Bem, ela foi diretamente para a casa que Cataldo estava construindo para morar.

Ainda em 1968, começou a funcionar a nova unidade do pré-vestibular – a primeira fora do Colégio Santo Antônio. Em mais um período de forte crescimento, o número de matriculados passou de 250 para 600.

Cabizuca lembra-se de uma cena inusitada, ocorrida na época.

O prédio estava arrumadinho, com tudo funcionando. Eu estava lá na porta, doido para receber novas matrículas. Mas eis que chega um rapaz em um fusca com a marca do Jornal dos Esportes. Ele subiu e disse que estava querendo vender anúncios. Eu retruquei: Por enquanto, estamos ainda captando os alunos. Vai chegar a hora dos anúncios.

A unidade do pré-vestibular funcionou naquele prédio histórico até 1973. Hoje, o prédio não existe mais e, no local, funciona um estacionamento.



Efervescências e descobertas

O ano de 1968 entrou para a história devido aos acontecimentos políticos e às manifestações de estudantes e intelectuais em diversos países, especialmente na França. No Brasil, também ocorreram muitos fatos, como relatados no livro 1968: o ano que não terminou, do jornalista Zuenir Ventura.

O jovem professor Cabizuca, então com trinta anos, acompanhava tudo isso pela imprensa. E foi nessa mesma época, em uma beira de rio esquecida do mundo e de toda aquela efervescência, que ele descobriu um cantinho que iria fazer parte de sua vida para todo o sempre.

Isso foi no Carnaval de 1968. Dois amigos do Pitágoras, o Dagoberto e o Rabelo, que eram datilógrafos de apostilas (todas rodadas com estêncil), além do Marcinho, auxiliar de secretaria, queriam ir pescar num rio perto de Bom Sucesso, em Ibituruna, no Sul de Minas. Como só eu tinha carro, fomos no meu Ford Galaxie, que era um carro enorme, barato e bebedor de muita gasolina.

Lá, encontramos o Lourenço Bolognani, que nos levou para um rancho de pescaria. De cara, eu peguei um dourado! Na verdade, acho que ele se suicidou no meu anzol. Lembro-me de que, na volta, comprei também balainho de linguiça na mão de uma senhora de lá. Gostei muito do lugar.

Vale registrar que, cinco anos depois, em 1974, Júlio Cabizuca comprou um terreno na região. Era o primeiro de outros que, ao longo dos anos, se transformariam na fazenda que ele tem no município de Ibituruna.



Vestibular Único

De volta para Belo Horizonte, o professor Cabizuca retoma a labuta do pré-vestibular Pitágoras: o ano de 1969 estava chegando e, com ele, uma mudança que iria revolucionar o mercado dos cursinhos preparatórios para os exames vestibulares em todo o País. O fato fez com que muitos sucumbissem; outros, com dirigentes mais visionários, aproveitaram a oportunidade para crescer. Como foi o caso do Pitágoras.

Naquele ano, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) anunciou a criação do Vestibular Único. Até então, os vestibulandos só faziam provas das disciplinas específicas para cada área de conhecimento. Por exemplo, na engenharia, as provas eram de álgebra e trigonometria, geometria plana e no espaço, física, química e desenho geométrico e geometria descritiva. O forte do Pitágoras era a preparação para os cursos de engenharia e também de medicina.

Mas, a partir de 1970, os candidatos, em todo o País, teriam de fazer as provas de todas as disciplinas. Ou seja, era a introdução do Vestibular Único para todos os cursos. A regra era clara: passariam a ser aplicadas oito provas, cada uma com setenta e duas questões. Seriam aprovados os candidatos cuja soma de questões corretas fosse a maior, de acordo com o número de vagas de cada curso.

A primeira impressão do mercado era mesmo de que os cursinhos iriam acabar, pois seria muito difícil ofertar todas as disciplinas. E os colégios sairiam fortalecidos, pois já ofereciam todas as matérias.

Nós vimos naquela mudança uma oportunidade de ouro. Já oferecíamos turmas para engenharia e para medicina no Colégio Santo Antônio e na unidade do Centro. Percebemos que não tínhamos de mudar nosso negócio, mas nos adaptar às novas regras.

Nossa opção era uma só: sair em busca de novos professores – dos melhores professores – para formar o novo time, especialmente nas áreas que ainda não tínhamos no Pitágoras. Buscamos nomes como Guiomar de Azevedo, Nélson de Moura, Beatriz Alvarenga, Paulo Miranda, Antônio Álvares, Carlos Durval, Iraci de Brito, José da Paz e Kouros Monadjemi, que foi presidente do Minas Tênis Clube, entre muitos outros. Saímos identificando os melhores, principalmente os professores da UFMG. Conquistamos uma joia especial naquela época: o professor Hélio Gomes, que prestou muitos serviços notáveis em toda a nossa trajetória, sendo até muito difícil nomeá-los.

Essa tarefa de buscar novos nomes foi realizada, naquele momento, pelo Walfrido e por mim, pois era um período de férias e os demais sócios estavam viajando.

Com a implantação do Vestibular Único, abriu-se o leque, e nós passamos a preparar alunos para diversos cursos, além de engenharia e medicina: direito, odontologia, ciências econômicas, veterinária e várias licenciaturas, como história, geografia, português e línguas estrangeiras.

E vale lembrar que essa mudança nos vestibulares fez diferença na vida de um dos nossos companheiros, o Evando. Isso porque, em 1969, uma aluna chamada Laila matriculou-se no nosso pré-vestibular, no turno da tarde, e foi aprovada em direito, na UFMG; alguns anos mais tarde, ela se casou com Evando. Podemos dizer que o Vestibular Único também teve essa espécie de função sentimental no Pitágoras.

Desde aquele tempo, Cabizuca desenvolveu uma especialidade que o acompanha até hoje: a arte de fazer pesquisa de opinião entre os alunos para avaliar professores novatos. Ele sempre circulava muito entre os estudantes e, durante uma brincadeira ou um bate-papo, captava a opinião deles sobre os professores. Não era uma consulta formal, de modo que o retorno era sempre espontâneo – e valioso.

Tal iniciativa se justificava. Num curso preparatório de vestibular com apenas alguns meses de duração, não havia tempo para testar professores ou demorar no diagnóstico. E não foram poucos os casos de desligamentos de profissionais contratados em apenas algumas semanas de sala de aula. Afinal, não dava para acertar sempre nas escolhas.

Aos três anos de existência, a implantação do Vestibular Único permitiu, então, que o Pitágoras fizesse, do limão, uma limonada. A instituição percebia que um dos seus principais diferenciais competitivos seria a inovação, colocada em prática de forma sempre ágil e ousada. Os anúncios com listas dos aprovados, desde o resultado da famosa turma dos 33 que passaram no Ipuc, eram um exemplo.



Simulado Pitágoras: a marca da vanguarda

Outra inovação arrojada veio ainda em 1969, com a criação do primeiro Vestibular Simulado em Minas Gerais. Era o Pitágoras construindo sua marca com os insumos da vanguarda e do pioneirismo.

Antes mesmo da realização do primeiro Vestibular Único, em janeiro de 1970, o Pitágoras realizou o seu primeiro Vestibular Simulado em dezembro de 1969. Era gratuito e aberto a todos os interessados. Mais que um exame simulado, com todas as provas do novo vestibular, aquela avaliação representou um salto tecnológico para o Pitágoras, que implantou, assim como ocorreria na UFMG, a correção informatizada por meio da leitura ótica dos gabaritos.

Para isso, era preciso usar lápis tipo HB, que permitia a leitura ótica. Em vez de marcar um X no gabarito de respostas, o candidato precisaria preencher, a lápis, um pequeno quadrado impresso diante de cada opção.

E o simulado do Pitágoras agitou a cidade. Com mais de seis mil inscritos, ele foi realizado em um domingo, nas dependências do Colégio Santo Antônio, do Minas Tênis Clube e da Escola de Engenharia da UFMG. Além de poder treinar de graça, familiarizando-se com o novo modelo de exame, os candidatos concorriam a bolsas de estudos.

Os primeiros colocados foram agraciados com descontos no curso superintensivo, realizado ainda antes do vestibular federal. Era, sem dúvida, uma estratégia para atrair os melhores.

O professor Cabizuca estava à frente da imensa organização do exame, que incluía todas as disciplinas, mas com um número menor de questões para facilitar e agilizar a correção.



Pão com linguiça

Tínhamos problemas práticos a resolver. Só ficamos sabendo que o sistema de leitura ótica aceitaria apenas lápis HB, na última hora, quando as inscrições já tinham se encerrado. Como exigir que todos levassem exatamente aquele tipo de lápis? Então, não pensamos duas vezes. Compramos caixas e mais caixas de lápis e levamos à Carpintaria Floresta. Cada unidade foi serrada em duas e apontada, dobrando, assim, o nosso estoque. Nós pedimos que os alunos levassem prancheta para onde não havia carteira, como no ginásio do Minas.

Lembro que acabamos de preparar tudo lá pelas três da manhã já do domingo. Resolvi que iria esperar os alunos chegarem para eu ir dormir. Nas imediações, havia um botequim que servia um pão com linguiça fantástico. Era o mesmo a que íamos quando estávamos pregando cartazes para divulgar o cursinho. Ficava na Rua da Bahia, perto do Cine Metrópole. Eu reuni a turma que trabalhou até aquela hora, fomos até lá e matamos a fome de madrugada.

Logo que os alunos começaram a chegar ao Minas, na manhã do domingo, Cabizuca foi para casa dormir.

Aí, dormi o sono dos justos com a certeza da missão cumprida. Sabíamos que estávamos fazendo algo inédito. Ninguém nunca tinha feito um negócio desse. Aquela era a forma que descobrimos para crescer: não perder as oportunidades. E não tínhamos dúvidas de que seria uma grande ação de marketing, inclusive oferecendo bolsas para os melhores.

E não deu outra: nós tivemos uma aprovação fantástica naquele primeiro Vestibular Único. Tínhamos nos adaptado, com sucesso, às mudanças do MEC.



Resultados na TV

Como já era praxe, os sócios não perderam a oportunidade de fazer a divulgação, na imprensa, dos resultados do Pitágoras no primeiro Vestibular Único, sempre sob a orientação de Edson Zenóbio. E a inovação veio também na forma, uma vez que a difusão não se limitou aos anúncios de páginas inteiras nos jornais impressos de BH.

A divulgação ocorreu também na TV Itacolomi, a principal emissora de Minas nos anos 1970. Para a satisfação dos familiares, as fotos dos alunos do Pitágoras aprovados foram mostradas, ao vivo, em um dos jornais de maior prestígio da emissora, apresentado por Jaime Gomide.

No final de 1970, a experiência do vestibular simulado foi repetida, agora em parceria com outro grande cursinho de BH, o Promove. As provas reuniram também mais de seis mil alunos e foram realizadas no Mineirão, onde, por sinal, era aplicado também o Vestibular Único da UFMG. Esse simulado ficou conhecido como “Testão 70” e contribuiu ainda mais para a difusão do Pitágoras, inclusive para outros estados, sempre com a marca de excelência na organização. E quem comandou toda essa operação foi o professor Antônio Carlos Brant Moraes.

Essas já seriam as sementes para a ampliação da organização, anos mais tarde, para todo o País, por meio dos colégios Pitágoras e, principalmente, da Rede Pitágoras.



Parcerias com escolas católicas

Em 1970, o pré-vestibular Pitágoras já se firmava como líder de mercado em BH, com as matrículas atingindo três mil alunos. Isso contribuiu para a abertura de um novo nicho de mercado, pois a organização estava, rapidamente, demonstrando sua vocação na preparação para o vestibular: a criação de parcerias com escolas de ensino médio.

Já em 1971, as aulas do terceiro ano do então segundo grau de três grandes colégios católicos de BH – Santo Antônio, Dom Silvério e Santo Agostinho – passaram a ser ministradas por professores do Pitágoras. Na prática, era o surgimento do 3º ano integrado, como esse modelo de ensino ficou conhecido.

Dois anos mais tarde, em 1973, mais uma escola faria parte dessa iniciativa: o Colégio Sacré-Coeur de Jésus. Estava nascendo ali uma parceria que, em muito pouco tempo, faria parte da história do Pitágoras por muitos anos.

Outra parceria, com o Colégio Nossa Senhora da Conceição, da Lagoinha, dirigido pelo Padre Candinho, gerou bons frutos: professores de primeira linha que foram absorvidos pelo Pitágoras. Esse modelo de parceria demonstrou como o mercado se curva diante das experiências exitosas. Como visto, pouco tempo antes, em 1969, quando o MEC anunciou o Vestibular Único, os mais apressados avaliaram que os cursinhos iriam sucumbir à eficiência dos colégios. Dois anos depois, ocorria com o pré-vestibular Pitágoras exatamente o oposto: os colégios reconheciam a sua eficácia na aprovação no novo vestibular.

Esses acontecimentos demonstram que, em pouco mais de meia década de existência, o Pitágoras já passara por várias provas de fogo e saíra-se muito bem em todas. Sempre apresentou ótimos resultados em termos de qualidade dos professores, nível e aprovação e crescimento nas matrículas.



Lições para os jovens

Décadas mais tarde, o professor Cabizuca é indagado sobre aquele momento: “Vocês tinham a percepção de que aquele empreendimento, nascido do idealismo de cinco jovens, já tinha dado certo?”.

A resposta vem em tom de ensinamento aos jovens empreendedores.

Nós não tínhamos esse negócio de “Já deu certo, somos campeões” ou algo parecido, apesar de já sermos líderes do mercado. Nossa única certeza era a necessidade de estarmos sempre vigilantes e trabalhando de maneira intensa, pois a concorrência vinha logo atrás. Nem nos dias de hoje falamos que tudo deu certo.

Mas, desde aquele momento, havia algo essencial a nosso favor: a certeza sobre o que deveríamos fazer. Acho que nosso pioneirismo vem daí.

Estar sempre vigilante incluía, sem dúvida, o marketing, para não perder a dianteira. Naquele início dos anos 1970, uma nova publicidade surge no rodapé da capa do Estado de Minas, nas concorridas edições de domingo, que precediam o dia de início de abertura das matrículas do pré-vestibular. Nele, vinha a frase-torpedo: Amanheça amanhã no Pitágoras.

Esse modelo de parceria demonstrou como o mercado se curva diante das experiências exitosas. Como visto, pouco tempo antes, em 1969, quando o MEC anunciou o Vestibular Único, os mais apressados avaliaram que os cursinhos iriam sucumbir à eficiência dos colégios. Dois anos depois, ocorria com o pré-vestibular Pitágoras exatamente o oposto: os colégios reconheciam sua eficácia na aprovação no novo vestibular.

E realmente, no dia seguinte, o balcão de matrículas do pré-vestibular, na unidade da Rua Tupinambás, amanhecia lotado de pais e alunos disputando vaga no cursinho. Foi no meio de tanta gente que o professor Cabizuca reencontrou o ex-colega Pedro (daquele episódio sobre a humilhação e o roubo da merenda no Barão de Macaúbas), que levava a irmã para se matricular.

A parceria com os colégios católicos de Belo Horizonte, no 3° ano integrado, logo fez acender de novo aquela luz verde da inquietude e da vontade de ampliar os horizontes de atuação que já era marca dos cinco sócios. O contato mais intenso com o então científico despertou neles o desejo crescente de desenvolver um trabalho pedagógico mais profundo. Algo que iria além de uma atividade gratificante, porém limitada, que era a preparação para os vestibulares.

Enfim, o que se concretizava naquele momento era a certeza de que criar um colégio próprio seria o caminho mais natural para a organização. Com ganhos mercadológicos, didáticos e intelectuais.



História de pescador?

Ainda em 1971, Júlio viveu uma verdadeira história de pescador. Foi quando ele pescou o maior peixe de sua vida, no mesmo local onde tinha passado o Carnaval de 1968 com seus amigos.

De volta ao rancho, ele ficou conhecendo Chiquito Carlos. A amizade foi tamanha que, mais tarde, Júlio o convidou para ser padrinho de sua filha Juliana.

“Às vezes, eu pegava tanto jaú que nem cabia lá na geladeira de casa. Eram peixes graúdos, de dez a doze quilos”, relembra o pescador Júlio.

Até que, um dia, em 1971, eu pesquei um jaú de 71 quilos! A gente utilizava, como chumbada, pregos, originalmente usados nas linhas de trem da região para fixar os trilhos nos dormentes.

Não usávamos vara de pescar; a linha era amarrada num galho forte e flexível de alguma árvore das margens. Esse galho fazia as vezes da vara.

Certa tarde, Júlio se afastou uns cem metros do rancho, sozinho, e jogou seu anzol de espera. Na manhã seguinte, ele voltou ao local e viu que a linha, que deveria estar mais ou menos bamba, até formando uma espécie de barriga, estava, na verdade, totalmente tensa e esticada bem no meio do rio. Ele imaginou que a linha pudesse estar presa em um grande galho de árvore, ou algo parecido, que teria descido pelo rio. Como era um nylon 100 ou 120, bem forte, ele logo começou a puxar para ver se recuperava o anzol, que era de primeira linha — um norueguês, chamado Fundo de Agulha.



Luta solitária

Fiquei ali sozinho, puxando, puxando. De repente, eu vi. Não era pau que prendia a linha, mas peixe. Peixão! Senti aquela emoção no momento. Mas não tinha como chamar os companheiros, que estavam no rancho. Como deixar o peixe ali, tentando ir embora?

No melhor estilo “o velho e o mar” (Referência ao livro de Ernest Hemingway), Júlio começou uma luta solitária para vencer a resistência do peixe e trazê-lo para fora da água. Foi uma batalha de mais de uma hora.

Eu tirei a camisa e a usei para proteger as mãos para puxar a linha. E suava, suava muito. Como se sabe, o jaú não tem dentes – só uma serrinha ou lixa na boca. Então, pensei que poderia montar nele quando se aproximasse de mim, num local mais raso, na margem. Quando vi o lombo pela primeira vez, meio fora d’água, foi aquela emoção, misturada com nervosismo. Eu não poderia perder aquele peixe, que seria um troféu fantástico, além da fartura que representava. Pensei, na hora, que não seria preciso comprar bacalhau lá em São Lourenço para a Semana Santa.

Quando o peixe começou a sair da água, Júlio, que continuava sozinho naquele canto de rio, não pensou duas vezes e montou no lombo dele, puxando-o com as mãos pelas guelras.

Eu estava exausto, mas ele também. Soltava uma gosma danada, com um cheiro que levei dias para tirar do corpo. Quando vi, ele já estava na areia e nas pedras que formavam uma prainha... Eu ainda deitei por cima dele, com medo de uma fuga repentina.

Foi quando os colegas de rancho sentiram falta de Júlio, que estava demorando a voltar. Em poucos minutos, um dos amigos, o Adalberto, o encontrou. E gritou: “Nossa, isso é um monstro de jaú!”.

Rapidamente, todos chegaram. O peixe ainda estava vivo, mas não era de muitos movimentos. Só umas rabanadas, de vez em quando. Foi o Chiquito que logo teve a ideia: “Chama o fotógrafo!”. Mas ali não havia telefone nem comunicação. E estavam a doze quilômetros de Bom Sucesso.

A prioridade não era a foto, mas tirar o peixão da beira da água. Como eu já era bom de gambiarra, improvisei uma espécie de padiola com uma escada. A corda que o amarrava entrava pela boca e saía pela guelra. E haja homens para puxar aquilo barranco acima!

Se pescar o jaú fora uma grande aventura, levá-lo para Belo Horizonte foi outra semelhante. Seu Luiz, pai de Júlio, estava junto na pescaria. Eles voltaram em um Jeep Willys, daqueles da Segunda Guerra. E lá foi o bicho amarrado na parte de trás, com aquele rabo enorme para fora do jipe.

Pouco antes de saírem, eles passaram em um armazém para pesar o peixe e fazer a foto. Como o jaú não cabia em geladeira ou caixa térmica, era preciso levá-lo, rapidamente, para Belo Horizonte. Com eles, viajou um rapaz chamado Chico Bolognani, que, poucos anos depois, levaria Júlio de novo à região para comprar o primeiro terreno da futura fazenda.



Troféu da resistência

No meio do caminho, ao passarem por Itaguara, a uns cem quilômetros de BH, eles ficaram com medo de o peixe estragar. Pararam, então, em uma lagoinha, abriram o peixe e o limparam para seguir viagem.

Estávamos todos com aquele cheiro forte de peixe e gosma. O Chico ficou em Betim para tomar um ônibus para Itaúna, onde morava. Mas, quando ele entrou no ônibus, naquela catinga, só faltou botarem ele para fora!

Então, chegamos a BH e eu fui direto para a porta do Pitágoras, na Rua Tupinambás. Alguns professores desceram para ver o peixe. Aquele era o troféu do Cabizuca! Um orgulho. Só faltava um detalhe: o que fazer com aquele troféu todo?

Depois de viajar e circular com o troféu, era hora de dar um destino eficaz ao peixão. Júlio o levou, então, a um açougue de um conhecido no Floresta, onde morava, e pediu para fatiar, depois de retirada a cabeça. Para se ter uma ideia do tamanho do peixe, cada posta pesava cerca de três quilos. Foi tudo, então, para uma caixa conservadora para ser distribuído. A cabeça ficou no próprio açougue, para fazerem pirão.

Era de tardinha, no horário que eu sempre ia à sauna do Minas Tênis Clube, que ficava abaixo do restaurante do Minas I. Eu conhecia todo mundo lá, então, resolvi: vou dar peixe para todos os funcionários da sauna. Alguém me ajudou a descer com tudo aquilo. Foi uma farra e uma gozação, com todo mundo ganhando peixe! Lembro que uma parte ficou na minha casa, para meus pais, e os amigos devem ter ganhado também.

Naquele início dos anos 1970, o País, governado pelos militares, vivia o chamado Milagre Econômico. O então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, fazia campanha para que as pessoas investissem em ações de empresas privadas. O mote era: “Vamos fazer o bolo crescer, com investimentos privados, para depois dividir”. Foi naquele contexto que muita gente optou pela venda de bens para a aplicação em ações – como foi o caso das três senhoras donas da chácara da Rua Timbiras.



Colégio Pitágoras:
a primeira unidade

O ano de 1972 foi um marco na história do Pitágoras. Oito anos depois da criação da empresa, é chegado o momento de ampliar o nicho de negócio, dentro do universo educacional, com a criação do primeiro colégio. Os sócios já vinham acumulando experiência com o ensino regular, devido às parcerias com as escolas católicas na oferta do 3º ano integrado. Afinal, eram os professores do Pitágoras que davam as aulas nos colégios.

Naquele momento, as parcerias já caminhavam para serem desfeitas, à medida que as escolas foram percebendo que o Pitágoras estava deixando de ser um parceiro para se tornar concorrente.

Apesar do sucesso do nosso pré-vestibular, naquela época, pairava a ideia de que os cursinhos iriam acabar. Entre os sócios, só o Marcos acreditava, piamente, que os cursinhos tinham seus dias contados. Era uma visão bem acadêmica.

Naquele momento, nada era mais natural, para nós, do que abrir um colégio, o que iria nos dar ainda mais solidez de mercado. Tínhamos tudo para obter sucesso com a iniciativa. Com as parcerias, nós criávamos valor para as outras escolas, mas isso servia também para nós.

Diante da decisão de criar um colégio, era preciso achar o local, obter financiamento e construir a unidade própria. Após algumas prospecções, os sócios se depararam com uma grande oportunidade: um terreno na Rua Timbiras, bem no Centro, em local de fácil acesso. Ali havia uma chácara, onde moravam três senhoras numa casa de fundos.

Elas estavam decididas a vender o terreno para aplicar em ações. Havia no Brasil, à época, uma grande campanha para as pessoas aplicarem suas economias na bolsa de valores, para ajudarem o País a crescer.

O corretor, seu Carvalho, indicou o terreno para Walfrido, que levou os sócios para conhecerem. Aprovada a escolha do terreno, Walfrido e Cabizuca foram ao Banco Mineiro do Oeste, onde negociaram um empréstimo diretamente com o dono, o banqueiro Joãozinho Nascimento, para o qual o próprio terreno entrou como garantia.

Na sequência, Walfrido, que já tinha ótimas relações com o mercado – e esse foi um grande diferencial para a organização, desde aqueles tempos –, negociou outro empréstimo com a Caixa Econômica Federal, por intermédio do doutor Almeida, que era um alto dirigente do banco em Minas.

Por fim, fizeram a negociação com a Construtora Castor, dos empresários Ítalo Gaetani e Luiz Drumond, para a construção do prédio. O terreno foi comprado em julho de 1971, quando também começaram as obras.



Investimentos e lucros

Os sócios chegaram também a investir em ações. Até porque Walfrido era sócio da corretora de valores que ficava no prédio do Castelinho, onde funcionava a segunda unidade do pré-vestibular. Cabizuca recorda que ele próprio também chegou a investir em ações – não de uma empresa específica, mas em um fundo de investimentos.

Aquela aplicação rendeu demais. O dinheiro chegou em boa hora, pois estava me separando da primeira esposa e era preciso honrar alguns compromissos. Mas foi um lucro fabuloso em seis meses, pois o dinheiro triplicou de valor. E, ainda por cima, eu soube tirar na hora certa.



Pitágoras Timbiras

As obras do Colégio Pitágoras Timbiras ficaram prontas em fevereiro de 1972. A inauguração seria no dia primeiro de março, mas houve um adiamento. E, mais uma vez, lá estava Cabizuca, o operador, comandando a etapa final de limpeza e organização geral para inauguração.

Remarcamos o começo das aulas para sete de março. Evidentemente, no dia anterior, foi aquela correria com a limpeza. No dia 7, quase na hora da inauguração, ainda estávamos limpando o prédio.

E eis que, pouco antes da hora marcada para o início da cerimônia, chega ao Pitágoras um senhor sozinho. Era o prefeito de Belo Horizonte, Oswaldo Pieruccetti, sem nenhum assessor ou auxiliar. Veio a pé da prefeitura. Hoje não existe mais isso. Ficamos nós dois lá, conversando e esperando os demais convidados.

O Colégio Pitágoras Timbiras já nasceu grande, com mil e quinhentos alunos e turmas que iam da quinta série do ginásio ao terceiro ano integrado, no científico.

Estávamos vivendo uma decadência do ensino público, cuja maior referência de qualidade, em Minas Gerais, era o Colégio Estadual Central. Muitos alunos começaram a sair de lá para fazer o terceiro ano com a gente. Não por acaso, era a série com maior número de alunos. Tínhamos também a fama de contratar os melhores professores.

Evidentemente, tudo isso gerou muita ciumeira nas demais escolas de BH, e as parcerias com os colégios católicos deixaram mesmo de existir a partir de 1973.

Outra estratégia de sucesso foi a escolha do primeiro diretor do Pitágoras Timbiras, o que revelou uma boa percepção mercadológica dos sócios. Foi escolhido para o cargo o professor de matemática Clemenceau Chiabi Saliba, que tinha também boa experiência em gestão de pessoas e administração escolar. Saliba acabou ficando dez anos no cargo, até ser transferido para uma unidade do Pitágoras em Balbina, no Amazonas.

Nós o escolhemos por ser um técnico muito eficiente. E sabíamos que nenhum de nós, os cinco sócios, tinha, naquele momento,o perfil ou mesmo o preparo pedagógico para ser diretor de um colégio.

Os sócios passaram um aperto no final daquele ano, na época das chuvas, quando um barranco da construção desabou. Era um domingo, e, na emergência, descobriram que os donos da construtora estavam assistindo a um jogo no Mineirão. Eles foram chamados pelo alto-falante do estádio para comparecerem à obra. Felizmente, nada de mais grave ocorreu.

A febre de compra de ações era tamanha, à época, que até empresas de pequeno porte estavam tentando abrir o capital para aproveitar as oportunidades de investimentos. Nessa onda, há uma história, relatada como piada pela revista Veja, de um espertalhão que abriu uma empresa fictícia só para vender as ações. A cara de pau do camarada era tamanha que ele deu à firma o nome de Merposa. Dizem que chegou a ganhar dinheiro. Quem investiu nela não sabia que a sigla da empresa significava Merda em Pó S.A.



Sacré-Coeur de Jésus:
nova proposta

Foi também em 1973 que Walfrido começou a conversar com as dirigentes da Ordem Superior das Irmãs do Sacré-Coeur de Jésus, cuja escola ficava em área nobre do bairro Cidade Jardim. A madre superiora, Hermengarda, foi muito receptiva à proposta de parceria com o Pitágoras, pois a escola, exclusivamente feminina, com trezentas alunas, precisava passar por uma modernização urgente.

No mesmo ano, o pré-vestibular Pitágoras passou por expressiva ampliação, com a abertura de três unidades, todas vizinhas, na Rua Tupinambás. Era um momento decisivo de crescimento e de consolidação da marca do mercado mineiro.

O grupo Pitágoras adquiriu os cursinhos Laplace – que funcionava no número 518 (no andar de cima do prédio do então famoso Foto Elias) – e Max Planck, situado no número 314. E ainda alugou mais um espaço com doze salas, com capacidade para cem alunos cada, no número 631, em frente ao já tradicional Café Palhares. Em compensação, foram fechadas as unidades do Colégio Santo Antônio e da Avenida Álvares Cabral.

Em 1977, o Pitágoras assumiu, efetivamente, o comando da unidade Cidade Jardim, após acordo com as freiras, que passaram a receber um percentual da receita líquida pela cessão dos prédios e demais equipamentos. Era uma garantia de renda bem melhor do que o simples aluguel dos imóveis.

A expansão na Cidade Jardim representou uma forma de desafogar a unidade Timbiras, que já estava, a essa altura, com a lotação esgotada em termos de alunos, especialmente no turno da manhã. A escola atraía, inclusive, um grande número de estudantes vindos do interior de Minas, devido não só à fama do Pitágoras, mas também à localização central, onde havia muitas opções de moradias, repúblicas, restaurantes e bares.



Pitágoras Cidade Jardim

A unidade Cidade Jardim começou, então, a ser reformada. Muitos quartos antigos das irmãs foram transformados em salas de aula. E lá estava, novamente, a Construtora São Marcos, do engenheiro e mestre Cataldo, para tocar as obras.

Mexemos muito por dentro, mas preservamos totalmente a arquitetura externa, que já era marca de uma época. Simultaneamente, compramos um terreno anexo para construir uma bela praça de esportes.

Com essas reformas e ampliações, a unidade Cidade Jardim estava pronta para absorver a grande demanda que surgiu no mercado, inclusive com a abertura para os alunos do sexo masculino. E não deu outra. A procura por parte da classe média e média alta foi enorme. As instalações eram muito amplas, e a fama do Pitágoras já estava consolidada.

O enorme fluxo de jovens de renda familiar mais alta logo se transformou, também, em um problema sério a ser administrado com urgência: a disciplina. Os alunos se envolviam em brigas de rua e disputas entre grupos rivais. Um grupo ficou famoso em BH e respondia pelo nome de Gangue da Savassi.

Com o passar dos meses, percebeu-se que o problema era grave. Era preciso, então, ter um educador de mão forte e muita determinação para atuar na unidade. E esse profissional existia, atuava no pré-vestibular e respondia pelo nome de Júlio Cabizuca. Em 1977, portanto, ele assumiu o desafio da nova função.



Fases de expansão

Antes um pouco, nos anos de 1975 e 1976, o Grupo Pitágoras passou novamente por fases de expansão, com a aquisição de terreno e a construção de um novo prédio do pré-vestibular, na Rua Espírito Santo, 1.320, quase esquina de Avenida Álvares Cabral.

Naquela época, Cabizuca observou, assim como os demais sócios, que o pré-vestibular e o colégio criavam uma grande sinergia. À medida que crescia o índice de aprovação nos vestibulares, os impactos positivos eram sentidos nas duas frentes de ação da organização.

E, a cada dia, percebia-se que a criação de novas unidades do Colégio Pitágoras representaria uma grande oportunidade de negócios, pois o número de alunos crescia também em virtude do sucesso do cursinho.

Naquela época, com quase quarenta anos, o professor Cabizuca ia consolidando a certeza de que seu maior prazer profissional era mesmo o de dar aulas. O crescimento dos negócios era muito importante, e ele não perdia o foco no trabalho e na administração das unidades, ao lado dos sócios. Mas amava a sala de aula e os alunos.

Tudo era muito bom e cuidávamos de todas as coisas de maneira muito responsável e séria. Mas a hora de sentir mesmo muita alegria era quando estava diante dos alunos em sala. Eu podia estar vivendo o que fosse em minha vida particular, com muitos problemas, mas nada daquilo interferia no momento da aula, pois eu me abstraía de tudo. A sala era o meu refúgio. Por isso, os momentos de alegria mais intensos ocorreram ali, incluindo as boas relações com os alunos. Era diferente de tudo o mais que se podia viver. Uma coisa de encher o espírito.



Pitágoras Pampulha

Walfrido morava na região da Pampulha, desde 1972, e insistia com os sócios que o Pitágoras deveria ter uma unidade naquela região para atender às inúmeras famílias de alto poder aquisitivo que lá residiam. E eis que, um dia, ele trouxe uma excelente oportunidade: era um terreno de vinte mil metros quadrados, vizinho do Jardim Zoológico, onde tinha sido construído um prédio para ser hospital. Os empreendedores desistiram de implantar um hospital e queriam vender a propriedade. O imóvel iria precisar de muitos ajustes para se tornar um colégio, mas valia a pena por já estar pronto.

Como de outras vezes, não tínhamos o dinheiro, tínhamos de buscar financiamento, e, para isso, Walfrido embarcou para Brasília para tentar um financiamento no Fundo de Assistência Social (FAS), no valor de 6.000.000,00 de cruzeiros, preço do imóvel. O financiamento foi aprovado. Faltavam, então, recursos para a reforma, que foram obtidos por meio de um empréstimo bancário.

A unidade Pampulha foi inaugurada um ano depois, em 1977.



O aluno e o professor

Com essa alegria de viver o dia a dia da sala de aula, Cabizuca, como todo professor sensível e observador, ia colecionando histórias marcantes e engraçadas. Houve o caso, por exemplo, de um aluno grandalhão, chamado Chiquinho, que se sentava lá no fundo, na sala do cursinho da Tupinambás, e saía no meio da aula, com alguma frequência, para ir ao banheiro.

Para deixar a aula, ele tinha de atravessar toda a sala. E lá vinha o grandalhão para ir ao banheiro, com os passos pesados: tum, tum, tum! Toda a turma acompanhava aquelas passadas. E eu, meio de brincadeira, meio sério, pois achava que sair da aula não era adequado, um dia, falei: “Caminhando para a bomba”. Ele parou, desistiu de ir ao banheiro e se sentou novamente, com ar envergonhado. Depois da aula, conversei com ele, mostrando que sair da sala, durante a aula, não era uma boa atitude. Ele entendeu, e nós acabamos nos aproximando. A expressão ganhou vida e ficou famosa. Mas Chiquinho não ficou ressentido e, para nossa alegria, foi aprovado no vestibular.



pré-vestibular e desafios

Em agosto de 1976, o pré-vestibular Pitágoras recebeu um reforço de peso, com a inauguração da unidade da Rua Espírito Santo. Era um prédio de três pavimentos. No primeiro, havia três salões para 170 ou até 200 alunos. No segundo, mais quatro salões; e mais dois, no terceiro andar.

O Pitágoras partiu para a implantação dos salões para fazer frente à concorrência do Promove, que oferecia esse tipo de sala e conseguia reduzir o valor das mensalidades. Era preciso fazer algo parecido.

Nós começamos a construir o prédio em abril de 1976 e inauguramos a unidade em agosto do mesmo ano. Foi tudo muito rápido, pois não havia tempo a perder. Era preciso encarar a concorrência, cada vez mais acirrada.

Mais uma vez, as horas que antecederam a inauguração dessa nova unidade foram repletas de muita correria, sempre sob a coordenação-geral de Cabizuca.

Não me esqueço do Zé Maria, que era craque na chefia do pessoal de limpeza. Ele estava trabalhando no limite e, na véspera da inauguração, ele me procurou às seis da tarde e disse: “Cabizuca, não aguentamos mais. Não temos mais energia para fazer tudo até amanhã cedo. Estamos há dias nessa luta da limpeza”. E foram todos embora.

Eu sabia que não havia a menor condição de iniciarmos as aulas no dia seguinte com as carteiras do jeito que estavam. Muitas estavam, inclusive, com algumas pocinhas de óleo, que eu não podia imaginar de onde vinham!

Pensei de imediato: Tenho de buscar pessoas, de todos os lugares possíveis, para acabar de limpar esse prédio. A primeira coisa que fiz foi mandar buscar todos os funcionários que trabalhavam, à noite, em vigilância ou limpeza nas outras unidades e trazer para a Rua Espírito Santo. Ficamos uma noite sem nenhum vigia nas demais unidades. As carteiras de estudantes, alaranjadas, estavam muito sujas. Consegui juntar uma turma de uns vinte funcionários e viramos a noite.

Até a Marilda, grávida do Júlio, entrou na roda, limpando o óleo que havia naquelas carteiras.

Evidentemente, não poderia faltar o lanche ou o jantar da madrugada, que Cabizuca sempre providenciava em momentos como aqueles. Daquela vez, a turma do mutirão noturno pôde degustar um pão com linguiça ou um kaol vindo diretamente do Café Palhares e do botequim da Rua da Bahia, com bastante refrigerante. Havia, inclusive, mais de um prato para cada um, para saciar a fome noturna e acumulada de todos.

Quando amanheceu, o prédio estava todo limpo, as carteiras no lugar, sem nenhuma sujeira. Tudo pronto para a chegada dos alunos a partir das sete horas.

Não era a primeira vez, e certamente não a última, que Cabizuca ia para casa às sete da manhã, depois de mais uma madrugada de maratona no Pitágoras. Este sempre foi o estilo de ação do professor: cuidar da parte operacional e deixar tudo pronto e arrumado. E ele era ainda o diretor da unidade.

Para quem não frequenta os bons restaurantes da noite, é importante explicar que kaol é o tradicional “prato feito” – criado pelo dono do Palhares –, cujo nome simboliza o conteúdo: K de carne, A de arroz, O de ovo e L de linguiça. Mas há quem garanta que o K vem é de cachaça – o que, com certeza, não estava incluído no menu, naquela madrugada.



Disciplinador temido

De repente, lá estava ele, chegando para assumir uma função de muitos desafios. Cabelo comprido, bigode vasto, cara amarrada. Se esses eram requisitos físicos de um disciplinador temido, Júlio Cabizuca tinha tudo para se dar bem naquela função, na unidade Cidade Jardim.

Eu estava, havia algum tempo, lidando com os alunos dos cursinhos e a preparação para o vestibular. E queria muito ter uma experiência com a educação como um todo, com jovens de diversas séries. A ida para a unidade Cidade Jardim representou essa perspectiva; foi onde me tornei vice-diretor, ao lado de João Lucas Mazzoni, que era o diretor. Mas não abri mão das minhas aulas na Timbiras, onde mantive umas quatro turmas.

Logo no começo, no Colégio Pitágoras Cidade Jardim, Cabizuca teve que encarar uma “pedreira” – a chamada Gangue da Savassi –, que ficou famosa no noticiário da época, pois promovia brigas homéricas com uso de cabos de aço, socos-ingleses e outros instrumentos de violência. Também pichavam muros, paredes e viviam na porta das escolas. Aos sábados, aprontavam em festas e, na segunda-feira, lá estavam eles para tomar satisfação com os jovens com os quais tiveram atritos.

Entre eles, havia alunos nossos. E nós resolvemos combater aquilo de maneira vigorosa. Na rua, o problema era policial, mas não foram poucas as vezes em que tive de socorrer alunos nossos em meu carro, uma Veraneio, e levá-los até em casa. Havia, naquela gangue, verdadeiros bandidos de classe média alta.



Minoria barulhenta

A escola foi criando mecanismos de defesa e de enfrentamento, com diálogo com os pais, mas também punições e até mesmo expulsões. Na prática, dentro da escola, esses alunos eram minoria – cerca de vinte, no máximo, num universo de três mil estudantes. Mas era, sem dúvida, a minoria barulhenta.

Com muita conversa, Cabizuca foi aprendendo a lidar com o problema e desenvolvendo, em alguns casos, uma espécie de pedagogia do enfrentamento manso.

Eu tratava o problema, sempre, como se ele fosse meu. Me colocava no lugar do pai, do professor e até do aluno, para tentar ser justo e equilibrado. Aos poucos, comecei a melhorar também como ser humano, aprendendo a conviver com as dificuldades.

Mas, também, tinha de ser duro muitas vezes. Por isso, minha presença, às vezes, era um terror para alguns. E não tinha aquela de resolver tudo na hora da aula. Eu deixava para conversar depois do término, para atrapalhar mesmo a rotina, inclusive dos pais, que eram chamados.

Naquele tempo, Cabizuca aprendeu também a ser mais humano e foi se tornando uma pessoa que cuidava de todos – pais, alunos e professores.

Eu me lembro de ser tratado também com muito carinho. Havia muitos alunos do terceiro integrado, já com barba na cara, que chegavam no final do ano e pediam para eu escrever algo no caderno deles, para ficar como recordação. Era muito bom. Sem dúvida, eu sabia muito bem qual era o meu papel ali. E perder a paciência não fazia parte da minha função.

Ao longo daqueles cinco anos em que Cabizuca teve como função controlar a disciplina na unidade Cidade Jardim, ele viveu vários embates, alguns marcados pela violência física ou ameaças. Mas encarou todos com muita serenidade, sabendo que sua função, na verdade, era de educador comprometido com a formação integral de todos os alunos, inclusive dos que geraram atritos.



Alunos rebeldes

Entre os diversos momentos em que Cabizuca teve de partir para algum tipo de enfrentamento com alunos ou ex-alunos, dois ficaram marcados em sua lembrança.

Um deles teve como palco um morro – hoje parte do bairro Santo Antônio –, que ficava de frente à janela da sala de Cabizuca, do outro lado da Avenida Prudente de Morais, no Colégio Cidade Jardim. Era o último dia de provas e, depois, viria a etapa de recuperação.

Da janela, Cabizuca viu um movimento estranho de três alunos em um fusca, num caminho de terra, na subida do morro em frente, em meio a um terreno baldio. A altura onde estavam nivelava com a janela da sala dele, numa distância de uns duzentos metros em linha reta. De repente, o susto: Cabizuca teve a clara percepção de que eles preparavam algo como um rojão para disparar na direção de sua sala. Era uma espécie de míssil caseiro.

O professor não pestanejou. Desceu ao estacionamento, chamou o motorista Josias e os dois rumaram para o barranco. Foram subindo pelo mesmo caminho por onde os alunos passaram, em meio a muitos buracos. E eis que, pelas costas, os jovens foram surpreendidos por Cabizuca no melhor estilo do Velho Oeste. Já estavam com os foguetes nas mãos, para o disparo.

Peguei eles com a boca na botija. Talvez tenham ficado com medo do Josias, apesar de ele ser magrinho. Muito assustados e surpresos, eles abortaram o ataque, sem muita conversa. Simplesmente, voltei para o colégio e chamei os pais deles. Aquela tarde foi uma maratona. Os próprios pais não suportavam seus filhos com tantos problemas que eles causavam. Simplesmente, depois de ouvir as lamentações, pedi que fossem à secretaria escolar e solicitassem a transferência dos seus filhos para outras escolas. Esse caso foi o mais traumático que eu vivi no colégio.



Pedidos de socorro

Em geral, os pais compreendiam o problema e se dispunham a ajudar. Mas, como ocorre muitas vezes, alguns achavam que a indisciplina era um problema da escola.

Havia o caso de um jovem que suscitava muitos problemas no colégio. Quando Cabizuca chamou os pais para uma conversa, a mãe revelou: “Meu filho passa a mão nas empregadas para elas pedirem demissão e para dificultar muito a minha vida”.

Para resolver a situação, Cabizuca sugeriu que aquele rapaz, já quase maior de idade, deveria ir morar sozinho ou em uma república. E assim os pais fizeram: mandaram o filho para uma república e ele tomou jeito.

Um outro acontecimento emblemático foi o do filho de um médico famoso, que queria que o rapaz também fosse médico para herdar o seu consultório e a clientela. Mas o garoto queria estudar história. Cabizuca, então, chamou os pais e disse que eles precisavam aceitar a decisão do filho.

Um caso de enfrentamento ocorreu em um posto de gasolina, localizado na esquina das avenidas do Contorno e Raja Gabaglia, em BH. Cabizuca estava com dois filhos pequenos, Juliana e Júlio, em seu carro – um fusca – e foi reconhecido por três jovens em um carro ao lado.

Cabizuca saiu do posto e notou que estava sendo seguido pelo outro veículo no caminho de casa, ali perto, na Rua Almirante Tamandaré. Logo reconheceu dois dos três ocupantes. Eles tinham sido convidados por Cabizuca a saírem do Pitágoras, por indisciplina, sendo que um deles havia participado do episódio do morro.

Eu fiquei tranquilo. Parei na porta do meu prédio e eles também. Desci, fui até o carro deles e pedi para me esperarem um pouco. Levei as crianças em casa e voltei. Disse a eles: “Eu moro aqui. Vocês querem descer do carro para conversarmos?” Não fiquei com medo. Nem imaginava, por exemplo, se eles poderiam estar armados.

Mas, quando eu tenho razão, não tenho medo algum. Pouco importa o que vem pela frente. Por outro lado, o risco era calculado, pois eles eram uns garotos ainda e não tinham saído de casa de caso pensado. Encontraram comigo por mero acaso e só então passaram a ter aquela atitude ameaçadora.

Sabe o que aconteceu? Nada. Eles não fizeram nada. Pegaram o carro e foram embora. Eu nunca mais os vi.



As irmãs do Sacré-Coeur

O final da década de 1970 foi marcado pela consolidação das unidades dos colégios Pitágoras – Timbiras, Cidade Jardim e Pampulha –, assim como dos pré-vestibulares.

Na unidade Cidade Jardim, as irmãs do Sacré-Coeur de Jésus passaram a ter uma participação importante na formação dos alunos.

Era uma relação muito boa, pois as irmãs eram muito preparadas na rotina da escola e bastante atualizadas. Lembro-me, principalmente, das irmãs Clélia e Margarida, que se tornaram minhas grandes amigas.

Cabizuca ficou cinco anos na Cidade Jardim, no período de consolidação da unidade. Como ele mesmo previa, no final de 1976, ao sair do pré-vestibular para assumir a outra unidade, a experiência seria muito enriquecedora, pois abriria seus horizontes de ação como educador.

Foi mesmo uma etapa de vida muito marcante, que me forjou como pessoa. Aprendi a lidar com alunos de todas as faixas etárias. Foi também uma boa descoberta o relacionamento com os professores e professoras do primário, incluindo o maternal. E não imaginava, naquele momento, como esse aprendizado seria tão valioso para mim, em um novo desafio profissional e pessoal que estava por vir, muito em breve, do outro lado do mundo.



Portas abertas
para o mundo

Em um acontecimento social, em 1979, Walfrido encontrou-se com um diretor da Construtora Mendes Júnior, o qual lhe contou que a empresa havia conquistado uma grande obra no Iraque: a construção de uma extensa ferrovia. E também informou que haveria necessidade de uma escola no acampamento. Dias depois, Walfrido conversou com os sócios.

Confesso que fiquei temeroso ao imaginar nossas professoras trabalhando no meio do deserto e num país em guerra. Naquele momento, guerra contra o Irã e com apoio dos EUA. Quando surgiu a notícia de que o Pitágoras poderia ter uma escola no Iraque, as professoras ficaram animadas e se apresentavam para ir. Ou seja, meu temor se diluiu quando vi as professoras com total interesse em participar dessa aventura.

Negociação concluída por Walfrido e Hélio Gomes – o primeiro diretor no Iraque – e contrato assinado, lá seguiram Hélio, Maura, Maria de Lourdes e Mabel, que começaram num lugar denominado Habanya para atender às famílias pioneiras.



Sufoco financeiro

Ainda em 1978, o Pitágoras passou por um grande sufoco operacional e financeiro, que serviu como uma importante prova de fogo para a organização. Os negócios iam bem, mas as despesas eram altas, assim como os compromissos financeiros firmados para a construção e a expansão de unidades:

– Aquisição do terreno e construção da Praça de Esportes na unidade Cidade Jardim, em 1974.

– Aquisição do prédio na Pampulha e reforma para abrigar o futuro colégio.

– Reforma na unidade Cidade Jardim, ao longo de 1976, para aumento do número de salas de aula.

– Aquisição do terreno na Rua Espírito Santo para construção do prédio do pré-vestibular, em 1976.

A situação era delicada e ficou ainda mais grave, pois um grupo de professores e coordenadores do Pitágoras resolveu pedir demissão e sair, de uma vez só, para criar um novo cursinho, que se tornou um concorrente direto. Saíram sete coordenadores, que também davam muitas aulas, e três professores.

Todos eles eram professores famosos e populares entre os alunos, todos “cabeça de chave” em suas disciplinas. A saída deles representou realmente um forte baque para nós. Em poucas semanas, estava criado o Pré-Vestibular Método, localizado na Avenida Getúlio Vargas.

Eram professores que transitavam de uma unidade para outra, tanto no cursinho como no colégio. Eles fizeram a cabeça de muitos alunos, e o resultado foi dramático.

Na virada do primeiro para o segundo semestre, o pré-vestibular perdeu cerca de 1.000 dos seus 3.500 alunos, numa queda de quase 30%. Os sócios passaram, portanto, por um grande sufoco. O impacto maior foi na unidade Timbiras e no pré-vestibular da Espírito Santo. Na prática, tiveram de substituir professores de umas cinco ou seis turmas.

Depois do primeiro impacto, reunimo-nos para elaborar uma estratégia e contamos com a colaboração de um publicitário, o Almir Sales, da Setembro Comunicação, para pensar o que fazer. Tomamos, então, a decisão mais correta.

Não havia o que lamentar. E não tínhamos o que fazer, a não ser colocar em prática nosso maior valor: trabalhar, e trabalhar muito, voltando para a sala de aula. Eu peguei quarenta aulas, assim como o Walfrido, o Evando e o Mazoni.

Lembro-me de que entrei numa sala para dar aula de matemática, substituindo um dos que foram embora. Ninguém me conhecia. Quando a aula acabou, um aluno, lá do fundo, falou em voz alta: “Puxa vida, ainda bem que aquele cara saiu, porque você é muito melhor do que ele”. Aconteceu com Walfrido, Evando e Mazoni a mesma coisa: voltaram a brilhar também na sala de aula, todos com quarenta aulas.

Mas era preciso cobrir as muitas outras aulas, pois dez professores haviam saído. E assim o fizemos, de forma que, ao mesmo tempo, suprimos a necessidade e criamos oportunidades para os bons e jovens profissionais que eram nossos monitores. Assim, eles tiveram, ao mesmo tempo, a chance de ter uma remuneração, com a qual nem sonhavam à época, e de se revelarem ótimos professores, tanto que todos continuaram conosco.



No palco, os monitores

A atuação dos monitores, ótimos estudantes que dominavam bastante o conteúdo, foi fundamental para que o Pitágoras se recuperasse daquela crise. Cabizuca se recorda da importância desses jovens profissionais.

Tínhamos muitos monitores em todas as disciplinas, que eram estudantes no ensino superior ou professores ainda inexperientes para uma sala de pré-vestibular. Mas eles tinham profundidade no conteúdo em que trabalhavam. A função deles era atender os alunos fora do horário de aulas para tirar dúvidas individualmente ou em pequenos grupos. E, em pouco tempo, ninguém tinha saudade dos que se foram.

Um fato muito significativo e seus desdobramentos dão a ideia da qualidade desse grupo de monitores. O professor lembra aquele momento.

Na noite de 14 de setembro de 1971, eu dava aulas no prédio da Tupinambás, 352, quando um funcionário bateu à porta da sala dizendo que meu avô, João David Cabizuca, havia falecido. Pedi licença rapidamente aos alunos e chamei o então monitor de matemática, Angel Panadés Rubió. Entreguei a ele o giz, disse que eu não iria continuar por causa do ocorrido, e falei o ponto em que eu estava na aula. Angel, então, depois de assumir esse desafio, tornou-se professor do Pitágoras, depois, coordenador, diretor do pré-vestibular e também autor da Coleção de Matemática do Ensino Médio da Rede, função que desempenha até os dias de hoje. Ou seja, ele está conosco há quase 50 anos!

Em meio a esse cenário de grandes dificuldades, um fato de grande repercussão no Pitágoras foi a confirmação do convite para a ida ao Iraque. Isso deu novo ânimo a toda a organização, levantando a autoestima e criando um número enorme de novas oportunidades de trabalho no exterior, com uma remuneração extremamente diferenciada.



Um milhão de dólares

Ao longo do ano, o impacto da perda de tantos alunos de uma só vez, somado às dívidas da empresa, obrigou os sócios a irem buscar um empréstimo vultoso. Mais uma vez, Walfrido tomou a frente dessa operação e procurou um banco para buscar um financiamento de longo prazo, a chamada Operação 66. O Pitágoras conseguiu levantar um empréstimo de um milhão de dólares. Esse recurso não seria destinado a novos investimentos; era, simplesmente, para manter a empresa funcionando.

O Delfim Netto ainda era ministro, e a economia do País estava indo para o buraco. Estava acabando o boom de aplicações em ações, e a moeda tinha sofrido duas maxidesvalorizações de 30% cada.

Com o passar do tempo, a organização foi se recuperando do baque sofrido. A conquista de novos alunos e o retorno de muitos dos que migraram e não estavam satisfeitos contribuíram para essa recuperação. Sabia-se que, com menos de um ano, os dirigentes daquele novo cursinho já estavam se desentendendo e desfazendo parte da sociedade, com impactos na qualidade do ensino.

Diante desse cenário, eu não via, pessoalmente, uma possibilidade de melhoria. A minha remuneração estava contida, e não havia possibilidade de melhorar; eu pagava o financiamento de um apartamento pelo BNH em que o saldo devedor estava sempre muito próximo do valor de mercado do apartamento, e o Pitágoras devia mais de um milhão de dólares.

No ano seguinte, em 1980, a crise econômica do País ficou ainda mais acirrada. O Brasil começa a passar por grandes dificuldades, e uma das expressões que mais se ouviam era “estagflação”, ou seja, a terrível combinação de estagnação dos negócios com uma inflação crescente e descontrolada.



Fazenda de Ibituruna:
o futuro

Os anos 1970 ficariam marcados não apenas pelo acelerado ritmo de expansão do pré-vestibular, com a ampliação do número de unidades, o vertiginoso crescimento do número de alunos e as parcerias com outras escolas. Em 1974, o jovem empresário Cabizuca decide fazer um investimento, cujo retorno daria a ele e à sua família muito prazer e satisfação para o resto da vida.

No finalzinho de 1973, o Chico Bolognani – aquele que, alguns anos antes, entrou no ônibus fedendo a peixe depois que pegamos o imenso jaú –, me levou para conhecer um terreno que ficava perto de onde íamos pescar. Ele sabia que eu era encantado com a região onde ficávamos, no rancho do Chiquito Carlos.

Fomos, então, a Ibituruna para eu conhecer o terreno às margens do Rio Grande e que estava à venda. O proprietário era um alemão, Heberth Hans-Ritter, executivo de uma empresa denominada Pohlig-Heckel do Brasil. A propriedade era vizinha do rancho do pai do Chico Bolognani.

Eu fui olhar o local e conheci o Antônio Tatu, o caseiro da fazenda, um pescador de primeira. Ele vivia ali com a esposa e uns dez filhos, que se tornaram ótimos trabalhadores, assim como o pai. Uma família espetacular. Era tanta criança que a esposa, às vezes, na maior naturalidade, dava de mamar para dois filhos ao mesmo tempo.



A negociação e os avalistas

Janeiro de 1974. Era o momento de bater à porta do alemão, que estava pedindo 60.000,00 cruzeiros pela fazenda de quarenta hectares, nos arredores do município de Ibituruna (MG). Ao entrar na empresa onde Heberth trabalhava, Cabizuca viveu mais um episódio inesquecível em sua vida.

Eu fui sendo conduzido por uma pessoa, passando com cuidado por uma ponte rolante e por muitos operários. Chegamos num salão grande, com muita gente trabalhando em mesas ou pranchetas. Devia ter mais de cem pessoas, todas muito quietas, num silêncio absoluto. No fundo, havia uma sala envidraçada, onde ficava o senhor Ritter.

Para minha surpresa, de repente, um dos funcionários falou: “Uai, Cabizuca, é você?” E aí, outro disse: “Olá, Cabizuca!” Depois mais um... Quando vi, havia um punhado de ex-alunos de cursinho ou colegas de engenharia trabalhando ali!

De repente, o silêncio e a ordem foram rompidos, e havia umas vinte pessoas fazendo bolinho em minha volta. Quando viu aquele murmúrio, o senhor Ritter chegou, perguntando em tom de brincadeira: “O que é isso? É motim ou vai ter greve?”.

Então, um daqueles jovens, que fora meu colega de engenharia, o Paulo Antônio Batista de Lima – uma delicadeza de rapaz, muito educado, e o segundo na hierarquia do senhor Ritter – disse a ele, com naturalidade: “Este é o Cabizuca, que foi meu colega na Escola de Engenharia e professor de muita gente aqui”.

Antes de comprar o primeiro terreno de sua fazenda, Cabizuca já frequentava a região, para onde ia pescar com os amigos. Ficavam hospedados no Rancho do Chiquito Carlos.Ele ia tanto ao local que se tornou sócio do rancho. Um dia, o Chiquito disse: “Cabizuca, vamos fazer um quartinho aqui no rancho, para você poder trazer a Marilda”.

Dito e feito. O casal passou, então, a frequentar o rancho e a dormir no puxado. O local era tão aprazível que Juliana, a primeira filha deles, foi gerada ali, no quartinho aconchegante, longe da bagunça e dos festejos do Carnaval de 1974.

Cabizuca foi, então, fazer a negociação com Heberth Ritter na sala deste. Ofereceu a metade dos 60.000,00 cruzeiros à vista (30.000,00 cruzeiros) e o restante em 12 prestações, com a emissão de promissórias. E completou:

– E o senhor estabelece, então, quantos avalistas vai querer.

Foi quando ouviu do alemão a frase de encher o coração de emoção:

– Não precisa de mais avalistas, não. Eles já estão todos ali fora!



Tatu, o caseiro

Fechado o negócio, Cabizuca e Heberth combinaram de ir juntos à fazenda para a entrega oficial das chaves, das promissórias e da escritura. Chegando lá, eles rodaram o terreno para ver exatamente o que era ou não da fazenda. Depois de tudo resolvido, Tatu, o caseiro, mostrou a Cabizuca um machado e disse, com simplicidade: “Este machado é meu!”.

Cabizuca concordou na hora e combinou que Tatu continuaria lá por um tempo. Além da casa da fazenda e da casinha do Tatu, havia a casa do colono, onde morava Nego Alvim e a esposa, os pais de Tatu.

A primeira obra de Cabizuca foi a construção de dois banheiros na casa do colono. Aos poucos, foram fazendo um puxadinho aqui, outro ali. A casa ficou grande, com varandão e até um terraço. A família usou a casa até janeiro de 2010, ou seja, durante trinta e seis anos.

Logo depois da saída de Tatu, Cabizuca convidou outra pessoa da região para ser o novo caseiro: o senhor Vicente, pai de um menino chamado Heitor, que Cabizuca conhecera em 1968, nos tempos das primeiras pescarias no Rio das Mortes.

Desde aquele primeiro encontro, Cabizuca gostara muito do sorridente Heitor. Anos depois, o jovem veio para Belo Horizonte e chegou a morar no apartamento com Cabizuca e Marilda. Veio para trabalhar no Pitágoras e, por muitos anos, morou nas dependências do Colégio Cidade Jardim, onde teve várias funções até se tornar motorista.

Há vários anos, Heitor trabalha como motorista particular de Cabizuca e sempre mata a saudade de sua terra, pois eles viajam, regularmente, para a fazenda em Ibituruna.

Cabizuca queria tanto comprar aquela fazenda que não regateou o preço, apenas pediu o parcelamento. Para isso, ele e Marilda tiveram que abrir mão de um desejo que vinham alimentando há alguns anos: a compra de um motorhome.

A ideia era sair por aí, parando em praias e áreas de camping, sem maiores preocupações com gastos ou com futuros filhos. À época, a gente morava num apartamento da Rua Guarani, com mobília e tudo o mais de segunda mão, menos o colchão. Mas tudo funcionando.A estante da despensa era feita de tábuas apoiadas em tijolos furados. Era uma gambiarra de primeira. A gente queria mesmo era juntar algum dinheiro para viajar de motorhome.

Pelo visto, o sonho da fazenda era bem maior que o de todas as viagens pelo Brasil afora.



A expansão da fazenda

A primeira parte da fazenda adquirida por Cabizuca em 1974 e que deveria ter quarenta hectares, tinha, na verdade, trinta e três hectares. Esse era, portanto, o pontapé inicial de seus investimentos na região. Aos poucos, foi ampliando suas posses sempre que surgia uma oportunidade interessante. Atualmente, a fazenda conta com cerca de mil hectares.

Eu nunca tive nenhum tipo de ambição para comprar mais terrenos, só para agregar novas áreas à fazenda. Chegava a ponto de parecer até desinteressado diante de alguma oferta de vizinhos. Quando surgia alguma proposta, a gente ia ver o valor correto do hectare na região para fazer a negociação.

A primeira expansão da fazenda veio em 1980, quando ele comprou doze hectares de um vizinho que tinha herdado o terreno. Sete anos depois, em 1987, surgiu nova oportunidade, e Cabizuca realizou a segunda expansão, adquirindo uma área para fazer um grande pasto para gado.

Na época, a fazenda já tinha plantação de café, cuja lavoura é a principal vocação da região. Anos mais tarde, Cabizuca iria envolver-se diretamente com a produção cafeeira.

Na verdade, eu sempre tive prazer em comprar novos terrenos para poder arrumar a terra, formar pastagens, cuidar das minas de água ou fazer plantações. Agora, pagar um absurdo só para comprar não faz sentido. Eu e Marilda gostamos mesmo é de ficar observando a natureza. Ouvir o barulho da água ali pertinho e o cantar dos passarinhos.

A situação era tão precária no começo que não havia água encanada. Eles tiveram de construir uma pequena barragem num córrego próximo, numa área mais alta do terreno, de modo que a água viesse, por gravidade, até a casa deles.

No Carnaval de 1975, fomos para a fazenda levando a Juliana, já com três meses de idade. Íamos num jipe todo aberto, numa estrada de terra totalmente empoeirada. Quando chegamos, Marilda foi dar um banho em Juliana e levou um susto: a água estava barrenta! Quando chovia, a água do córrego ficava suja. Uns três anos depois, conseguimos trazer água de uma mina.

Nos dias de chuva, a água vinha meio barrenta, o que não impedia os banhos da menina. Depois, eles ainda completavam o serviço com água mineral que levavam de Belo Horizonte. Naquela época, a casa ainda não tinha energia elétrica. A iluminação era feita por meio de lampiões a gás.

Em 1987, junto com a expansão da propriedade, o casal começou a fazer algumas obras. Eles tinham voltado, com algumas economias, de uma temporada no Iraque, na qual o professor Cabizuca atuara como diretor do Colégio Pitágoras em um canteiro de obras da Mendes Júnior. No mesmo ano, eles compraram um apartamento em São Lourenço, cidade onde o menino Cabizuca passara bons momentos nas férias.

Lá na fazenda, nós melhoramos a cozinha, mas a casa era a mesma. Eu estava pensando em fazer uma casa nova, mas a Marilda resistia, sempre preocupada com as tarefas domésticas, pois ainda não tínhamos empregada na fazenda.

Mas o desconforto era crescente. Tinha uma goteira ali, um cheiro de mofo aqui. Até que Júlio Neto nasceu e começou a gostar de ir para lá. Era preciso dar mais conforto para o netinho. A gente não precisava de uma casona, mas de uma casa com muito mais conforto. Eu tinha uma prima, a Ludmila, formada em arquitetura, e resolvemos pedir a ela um projeto para a casa da sede.

Com a decisão tomada, era hora de tocar a obra. A casa da fazenda começou a ser construída em agosto de 2008. Em 30 de janeiro de 2010, Marilda e Cabizuca se mudaram para ela.

A partir daí, foram feitas várias melhorias na sede, e a fazenda ganhou novas construções. A primeira foi a casa de hóspedes a cerca de cem metros da morada do casal. A ideia era ter um lugar para receber parentes e outros convidados. Depois, surgiu a proposta de um espaço de lazer.

A sede da fazenda ganhou, então, uma construção de três andares, com área de lazer, churrasqueira, salão de ginástica, piscina, escritório e até um elevador. A fazenda estava, portanto, com toda a infraestrutura básica construída.

A partir daquele momento, o maior esforço seria passar horas de olho na água do rio, que corria devagar, e na passarada que também habita aquele cantinho tão aconchegante.



Iraque: um divisor de águas

Em maio de 1981, Cabizuca e Walfrido realizaram uma visita técnica ao Iraque, onde estavam instaladas as escolas, no km 30 e no km 215 de uma ferrovia em construção, sob a responsabilidade da empresa Mendes Júnior. Hélio Gomes estava à frente das escolas desde 1979.

A nossa viagem teve várias alterações em relação aos voos, pois chegamos em Amã e não tínhamos como prosseguir para Bagdá, pois não havia mais voos naquele dia. Fomos dormir num hotel cujos quartos eram todos ligados uns aos outros, e havia um único banheiro, que ficava no fundo. E nós com uma grande bagagem. Chegamos ao Iraque no dia seguinte, à noite, e por absoluta ausência de comunicação, não havia ninguém nos esperando no aeroporto. Pegamos um táxi e pedimos ao motorista para nos levar às instalações da Mendes Júnior no km 30. Fomos para o hotel do acampamento, e não havia quarto, sequer uma cama, para dormirmos.

Mas o português, que era gerente do hotel, muito gentilmente disse que dois topógrafos iam sair para trabalhar às seis da manhã e nós poderíamos usar a cama deles. Até que, à tarde, foi possível conseguir um Fiat que nos levou até o km 215. E foi lá que encontramos Hélio Gomes, que nos alojou numa casa que estava disponível. No km 30, ficava a estrutura da Mendes Júnior para interação com as autoridades iraquianas no trabalho de construção da ferrovia. Era um acampamento onde estavam poucas famílias, mas que também tinha uma escola que funcionava do maternal até a 6ª. série do ginásio. Já no km 215, estava toda a estrutura para dar suporte às famílias que lá residiam. Era uma vila com muitas casas, dois hotéis, clube, escola (com todas as séries), amplo e bem sortido supermercado, hospital e escritórios para dar suporte a todos. E também havia grandes instalações para acomodar os trabalhadores que davam suporte aos serviços básicos no acampamento.

Eles tiveram dias de trabalho intenso, participando de várias reuniões com todas as equipes do colégio, com os superintendentes da empresa e os responsáveis diretos pela escola para avaliação do que estava sendo feito. Nas reuniões com o grupo de professores, ficou claro que eles estavam fazendo um ótimo trabalho, apesar das muitas limitações devido às condições do próprio país.

Quanto à satisfação dos aspectos pessoais de moradia, as professoras reclamaram intensamente por terem de morar no Hotel 56. Eram quartos com três camas de solteiro cada, um pequeno armário para cada uma, banheiro, um aparelho de ar-condicionado e nenhuma janela – era um confinamento. O hotel fornecia alimentação. As professoras estavam completando o segundo ano de trabalho no Iraque, o que estava gerando muita satisfação na empresa, como nos foi transmitido. O desejo das professoras era poderem morar em casas, mas os executivos diziam que não havia casas disponíveis, pois elas eram para as famílias, e a cota da escola estava esgotada.

Nesses dias, conversamos também com Dr. Elmo Teodoro Ribeiro, que ia dirigir a construção de um trecho de cento e vinte quilômetros da rodovia a ser construída entre Bagdá e Amã. No acampamento que iria abrigar as famílias dos funcionários dessa obra, chamada de Express Way Km 38, também haveria uma escola. No local do novo acampamento, já estava sendo feita a terraplanagem e todos os equipamentos – casas, hospital, escritórios – estavam já viajando de navio dos EUA para o Iraque.

Durante esses dias, Cabizuca começou a pensar, seriamente, na possibilidade de substituir o professor Hélio Gomes, que já havia demonstrado o desejo de retornar ao Brasil. As responsabilidades no Iraque iriam aumentar – agora, seriam três escolas, mais um diretor e, naturalmente, um número maior de professores. Com relação ao cronograma da obra da ferrovia, ela iria ainda demandar mais funcionários, o que significaria mais alunos. Além disso, a remuneração do diretor não era nada desprezível: quatro mil e quinhentos dólares mensais. Cabizuca pensou: “Ora, esse será um incremento de caixa que irá atender à minha expectativa naquele momento, além de poder servir ao Pitágoras”. Só estava faltando mesmo falar com Marilda e com os sócios do Pitágoras.

A viagem de volta ao Brasil foi muito agradável, pois Cabizuca e Walfrido resolveram passar uma semana em Roma e visitar Florença. Walfrido deu também uma esticada a Nápoles, mas Cabizuca preferiu ficar em Roma.



Dois Cabizucas

Tão logo retornou ao Brasil, Cabizuca conversou com Marilda sobre a ida para o Iraque. Ele relatou as condições de vida no país, a oportunidade de servir ao Pitágoras e de ter um ganho que poderia melhorar a vida do casal. Ao ouvir o que propunha Cabizuca, Marilda não pestanejou e concordou imediatamente. Estava aberto, então, o caminho para a conversa com Evando, Walfrido e Mazoni.

O que estava prestes a acontecer acabou se tornando um divisor de águas na vida de Cabizuca. Ele não tem dúvida em afirmar que existem dois Cabizucas, um antes e um depois daquela que seria a mais relevante experiência profissional de toda a sua carreira.

Quando eu falei com a Marilda sobre a ideia de ir para o Iraque, pensando na melhoria das nossas finanças e tudo o mais, ela não pensou duas vezes. Como em outros momentos de decisões em nossa vida, ela topou no ato.

Na sequência, na conversa com os sócios, quando expus o meu desejo de substituir o professor Hélio Gomes, a princípio, eles acharam que eu não deveria ir. Depois que expliquei meus motivos, eles passaram a gostar da ideia de eu ser o novo diretor da unidade.

Eu sabia que a experiência no Iraque seria muito importante para mim.

A experiência de Cabizuca à frente do Colégio Pitágoras no Iraque foi, sem dúvida, de grande valor para sua vida pessoal e profissional. Como ele mesmo definiu, anos mais tarde, foi um divisor de águas em sua trajetória.

Já tomada a decisão e tendo conversado com Marilda e com os sócios, o primeiro desafio de Cabizuca como novo diretor, ainda no Brasil, foi montar sua equipe. Assim como Hélio Gomes, muitos professores que lá estavam há alguns anos demonstraram também interesse em voltar para o Brasil. E seria preciso fazer algumas substituições, até para adequar melhor as cargas horárias, evitando-se manter, na unidade, professores com baixo volume de aulas semanais. Além do mais, a nova escola da Express Way iria necessitar de professores. Cabizuca, então, achou que seria muito importante, no segmento de quinta a oitava série, aproveitar algum professor nas duas unidades, pois essa seria uma forma de utilizar o máximo da carga horária disponível e reduzir custos para a empresa.

O segundo desafio era planejar a nova equipe de modo que sobrassem casas para as professoras que lá moravam e estavam insatisfeitas com o hotel. Para que isso ocorresse, ele não poderia levar casais. Poderia levar professores casados, mas no status de solteiros. Feitos os cálculos, ele viu que era possível ter algumas casas para as professoras, mas não havia condições de abrigar todas elas. Ao repor a equipe, ele conseguiu deixar, da cota de oito, quatro casas vazias. O plano estava completo: já tinha a equipe montada e quatro casas disponíveis.

O diretor da nova escola foi convidado por mim: era o professor Lúcio Fonseca, que era vice-diretor da Unidade Timbiras, onde fazia um ótimo trabalho. Conversei com ele e, em poucos dias, já estava alinhado em torno do Iraque. Nós dois teríamos de ir para o Iraque bem antes do início das aulas do ano seguinte, pois eu teria de receber a escola do Km 215, fazer os desligamentos que eram necessários. Lúcio teria de acompanhar a implantação da escola da Express Way. Viajamos para o Iraque no dia 11 de dezembro de 1981. E lá passamos a compartilhar com o professor Manoel Camargos, que era o vice-diretor de Hélio Gomes, um aprendizado detalhado de como funcionava o acampamento. Retornei ao Brasil em janeiro de 1982.

Aos quarenta e dois anos de idade, Cabizuca foi, literalmente, para o outro lado do mundo, a mais de onze mil quilômetros de casa. Em fevereiro de 1982, ele, Marilda e os três filhos do casal – Mariana, ainda bebezinha, com cinco meses, Juliana, com 7 anos, e Júlio, com 5 – desembarcaram no Iraque, depois de mais de 40 horas de viagem.

Junto com eles, no mesmo voo, viajou uma verdadeira comitiva de novos professores que iriam atuar nas unidades.

Na reunião para o planejamento pedagógico do ano de 1982, com toda a equipe reunida, fizemos todo o trabalho preparatório para o início do ano letivo e o calendário que iria seguir a cada etapa. Passamos o dia trabalhando. No final da tarde, a professora Neuma, que era das mais antigas no Iraque, disse: “Cabizuca, pelo grupo que está aqui, estou notando que há casas sobrando. O Pitágoras vai devolver essas casas para a Mendes?”.

Cabizuca estava ciente de que havia certa disputa pelas casas, uma vez que era mais aconchegante e confortável morar em casa do que em hotel.

Como eu havia dito à Neuma, uma das casas seria destinada aos rapazes, e até ficou conhecida como a República dos Homens. As três outras casas ficariam para elas. As mulheres discutiram entre elas e resolveram quem iria ocupar as casas. Algumas preferiram continuar no hotel, pois as que iriam morar nas casas teriam de cuidar da própria alimentação. Ao passo que, no hotel, a alimentação já era fornecida pela empresa.

Resolvido isso, tínhamos, portanto, um ambiente de paz e harmonia para começarmos a trabalhar.

A direção da Mendes Júnior chegou a oferecer a Cabizuca, na condição de diretor do colégio, uma casa mais confortável na Vila dos Engenheiros, que ficava em uma espécie de península. Mas quem conhecia o professor Cabizuca já sabia, de antemão, que ele não aceitaria a oferta – como de fato aconteceu.

Além da equipe de cinquenta professores, havia auxiliares de serviços gerais, como o pessoal de limpeza, datilógrafo de apostilas e motorista. Alguns cargos eram ocupados por pessoas da comunidade brasileira, como uma senhora que se tornou secretária de Cabizuca. Havia funcionários angolanos, portugueses e egípcios, por exemplo.

Ao todo, nas três unidades, o Pitágoras chegou a ter mil alunos desde os filhos dos diretores de alto escalão da Mendes Júnior aos filhos dos funcionários mais simples da obra.



Equipe afinada

Aos poucos, portanto, com o início das aulas em 1982, uma nova rotina estava estabelecida no km 215 da ferrovia em construção.

Chegou uma hora, com o grupo de professores bem delineado, que eu disse: Minha equipe está pronta e ela é de primeiríssima! Eu não tinha dúvida de que estava unindo produtividade com eficiência administrativa e pedagógica.

E sabia que aquela equipe tinha condições técnicas e acadêmicas melhores do que muitas das equipes de nossas unidades em Belo Horizonte, porque os professores eram fantásticos, e as turmas, menores. Não funcionávamos em horário integral, mas os alunos estavam disponíveis o dia inteiro, porque não havia mais nada o que fazer além de ir para a escola e aproveitar, ao máximo, todas as atividades.

Um dos nossos objetivos era bem claro: oferecer uma escola de qualidade para todos, desde os filhos dos diretores da Mendes Júnior até os filhos dos funcionários mais simples do projeto. Ou seja, um tratamento igualitário para todos.

Com todas essas prerrogativas em mãos, nós tínhamos a chance de desenvolver um trabalho excelente.

Os pais eram, sem dúvida, os maiores beneficiários da disponibilidade da escola em receber os alunos o dia inteiro. Era comum ouvi-los dizer: “Aqui não tem menino na rua; estão todos lá na escola, e o Cabizuca está com eles”.

Uma das primeiras lições que o novo diretor aprendeu no Iraque foi a importância de trabalhar com os profissionais de sua equipe e extrair deles todo o potencial de trabalho e todo o talento como bons educadores. Afinal, atuando tão longe de casa, não seria fácil fazer substituições, o que poderia levar meses e criar graves lacunas no dia a dia da escola. Ao contrário do que ocorria em BH, onde perder um professor e substituí-lo era uma mudança, às vezes, rápida.

Logo nas primeiras reuniões com os professores, eu tive aquele sentimento de que algo muito novo e relevante estava começando a acontecer em minha vida. Estava na hora de começar a trabalhar. E eu teria que cuidar das condições de vida de cada um.



A rotina da vila

A localização da vila no quilômetro 215 da ferrovia indicava que ela estava a exatos 215 quilômetros de Bagdá, capital do Iraque. Até o aeroporto internacional da capital, eram 250 quilômetros.

Após o período inicial de adaptação, Cabizuca e sua equipe começaram a entrar na rotina da realidade local.

Uma das vantagens da região era a qualidade da terra e da água, que era bombeada do Rio Eufrates, cujo leito passava a menos de um quilômetro do acampamento. Da cozinha de sua casa, Cabizuca podia ver o rio, com destaque para as palmeiras que o margeavam.

Com boas condições agrícolas, os moradores da vila passaram a fazer o cultivo de plantas e hortaliças.

Lembro-me de uma senhora que cultivava enormes pés de couve, alguns com até três metros de altura, para vender. Cada folha de couve valia um dinar (a moeda local), e era suficiente para o almoço de uma família. Ou seja, era um bom negócio. O marido dela trazia para a vila esterco de ovelha, deixando a horta uma maravilha. A Marilda era freguesa dela, mas a gente também fazia alguns cultivos. Colhíamos, por exemplo, berinjelas, que eram uma beleza de tão grandes.



Professores bem remunerados

Vale ressaltar que um dos fatores que contribuíram para que Cabizuca pudesse formar aquela ótima equipe de professores foi, sem dúvida, a remuneração – bem superior ao que se pagava no Brasil. Isso contribuía para que se estabelecesse um ótimo ambiente de trabalho e de confraternização entre todos.

Todos ganhavam muito bem e estavam felizes com isso. Havia, por exemplo, planos de viagens pela Europa e para a Ásia, nos períodos de férias ou mesmo em feriados. Além disso, nossa rotina era muito boa, embora o trabalho fosse, às vezes, exaustivo. Por exemplo: disciplinas como história e geografia só tinham uma professora para cada, portanto, elas tinham que dar aulas para todas as séries que eram sete, corrigir todas as provas e todos os trabalhos.

Não dá para esquecer, por exemplo, o Mauro Gonçalves de Souza, professor de matemática e física, um grande amigo meu, que, nos finais de semana, colocava seu conhecido avental xadrezinho de vermelho e branco e convidava todos para irem comer macarrão na casa dele. Havia também as moças, que convidavam todos para lanches nas casas delas.

Vez ou outra, era a Marilda que convidava a turma para comer seus irresistíveis pastéis. E olha que ela fazia mais de cem de uma vez. Rolava, então, a cervejinha com pastéis. Era uma convivência de muita irmandade, com todos querendo o bem dos outros e se ajudando mutuamente.

Certa vez, mandaram do Brasil um professor, que diziam ser de matemática e ciências. Para o Pitágoras, essa dupla formação era boa, pois o candidato poderia ter uma carga horária maior. Então, Cabizuca pediu para o Zé Maria conversar com ele e fazer uns testes. Ao final, veio o veredito: “Cabizuca, ele até sabe matemática, mas ciências... ele não sabe nem o que é uma ameba!”.

Convivências sociais à parte, o que também iria acontecer onde homens solteiros e mulheres solteiras passaram a conviver tão intensamente? Evidentemente, surgiram os namoros e os casais.

Em determinado dia, a Sandra, professora do maternal, pediu para falar comigo em particular. A gente conversava muito, mas sempre nos corredores. Quando marcavam um horário, eu sabia que a conversa era mais séria. Naquele dia, muito constrangida, ela chegou e disse: “Professor, estou grávida”. Naquele momento, eu me senti como o pai da criança ou o pai dela, tamanho o susto que levei.

Aquilo era uma situação fora dos padrões da época, em 1982. Uma moça solteira, grávida. Mas logo senti que, para a escola, era uma questão administrativa. Ela não poderia ter o filho lá. Tínhamos de mandá-la de volta para o Brasil e providenciar a substituição.

Era preciso resolver tudo muito rápido, pois ela não poderia embarcar prestes a ter a criança. Eu não tive tempo nem de perguntar quem era o pai. Aliás, eu fui o último a saber. Era um engenheiro, que ela conheceu ainda no avião, na longa viagem de ida.



Sapecado & Cabizuca

Férias escolares de janeiro de 1982. Cabizuca se preparava para assumir como diretor do colégio no início do ano letivo, mas estava com uma viagem marcada para o Brasil ainda durante o recesso de final de ano.

No longo retorno de avião, ele e mais três professoras – Maura, Lurdinha e Margareth – programaram ficar três dias em Nova Iorque, a última escala do voo que sairia de Bagdá, passando por Amã, na Jordânia, e Viena, na Áustria.

Ainda no escritório da Mendes Júnior no km 30, Osmar Junqueira, funcionário de alto escalão da empresa, reconheceu o professor Cabizuca e pediu um favor a ele: fazer companhia a um peão da empresa, o Paulo Roberto, que tinha residência em Belo Horizonte e estava voltando sozinho para o Brasil. Bastava orientá-lo nas conexões até Nova Iorque, onde outro funcionário da empresa o receberia e o colocaria no voo noturno para o Rio de Janeiro.

Cabizuca aceitou de bom grado o pedido e ficou batendo papo, ainda no aeroporto, com o rapaz, que logo se enturmou com o grupo. Contudo, durante o voo, os passageiros foram informados de que o aeroporto de Viena, onde fariam uma escala, estaria fechado a partir daquele momento, devido a uma daquelas nevascas comuns de janeiro. O voo já saíra de Amã e teve de ser desviado para Paris, onde teriam de pousar.

Na capital francesa, fomos direcionados para um hotel de primeira, com tudo da melhor qualidade, bancado pela companhia aérea, a Pan Am (uma das maiores empresas aéreas da época, que faliu nove anos depois, em 1991). Ali, soubemos que teríamos de ficar em Paris, esperando a nevasca passar, pois o aeroporto de Nova Iorque também estava impedido de receber voos. Nisso, dormimos mais duas noites em Paris.

O Paulo foi colocado comigo em um apartamento e ficava sempre ao meu lado, pois não conhecia nada. Ele tinha ido para o Iraque ficar apenas seis meses e voltar direto para o Brasil e levara pouca roupa. Ou seja, estava voltando praticamente sem bagagem e iria receber seu dinheiro só no Brasil.

No jantar em Paris, eles foram colocados, no restaurante do hotel, em uma mesa enorme para doze pessoas, onde foi servido um vinho de alta qualidade. Preocupado, Paulo perguntou: “Professor, posso tomar o vinho?”. E Cabizuca respondeu: “Eu vou tomar”. Foi aí que descobriram que a bebida também estava incluída no pacote da escala forçada em Paris.

A partir daquele momento, o peão da Mendes Júnior começou a gostar daquela aventura totalmente inesperada e ocasional, com direito a comida e bebida à vontade, além de ótimas companhias. Depois do jantar regado a vinho, os cinco – Cabizuca, as três professoras e Paulo – foram conhecer a famosa night parisiense. E a primeira parada foi exatamente numa das boates mais famosas de Paris e do mundo – o Bataclan. Pelo caminho, havia as famosas vitrines das casas de mulheres de programa, onde elas se expunham quase nuas.

Naquela época, a nudez era algo extravagante, e o Paulo não queria saber de mais nada. Por ele, passaria as noites todas ali, diante das vitrines. No Bataclan, pagamos uma mixaria qualquer e entramos. Naquela altura, eu e as professoras já estávamos dando algumas roupas para ele, que só me chamava de professor. Como éramos cinco e tínhamos que andar de táxi, descobrimos que só os motoristas portugueses aceitavam levar todo o grupo.

No dia seguinte, já bem à vontade, Paulo disse: “Professor, que coisa fantástica! Eu nunca imaginei estar em Paris com o senhor e as professoras. Eu estou muito feliz. Por isso, queria dizer uma coisa importante. Eu só chamo o senhor de professor Cabizuca, mas eu também tenho um apelido: o meu é Sapecado. Então, passo a chamar você pelo seu apelido, Cabizuca, e você pode me chamar pelo meu, que é Sapecado”.

Ele tinha um cabelo bastante crespo, meio vermelho e meio alourado, e o rosto todo pintadinho. Por isso, o apelido. E achou mesmo que meu nome também era um apelido.

Cabizuca teve de improvisar, com barbante, um varal no meio do quarto, para secar as roupas do novo amigo de codinome Sapecado. Em Paris, eles foram a muitos lugares, como a Torre Eiffel, tomaram café da manhã no hotel e sempre degustavam o jantar regado a bons vinhos.

Passada a nevasca no nordeste dos EUA, o grupo finalmente embarcou para Nova Iorque, onde Cabizuca e as professoras decidiram manter a estada de três dias, apesar dos atrasos. Sabendo disso, ainda no avião, Sapecado disse: “Professor Cabizuca, estou sabendo que vocês vão ficar três dias em Nova Iorque. Será que não daria para eu ficar também?”.

Eu disse a ele que, ao contrário de Paris, teríamos de arcar com as despesas, e em dólar. Nós íamos ficar em um hotel, na Rua 45, que não era caro, onde o pessoal que ia para o Iraque sempre ficava. Mas a estada, incluindo a alimentação, deveria ficar entre 40 ou 50 dólares por dia.

Expliquei que poderia lhe emprestar o dinheiro, pois sabia que tinha salários a receber no Brasil. Combinei, então, que ele pagaria em cruzeiros, quando recebesse no Brasil. Mas expliquei o que era dólar paralelo, e que essa seria a referência. Na época, o paralelo estava absurdamente mais caro, chegando a valer mais de 80% em relação ao oficial.

Sapecado não relutou e respondeu: “Professor, eu não tenho dúvida de que quero ficar. Já conheci Paris e, imagina, conhecer Nova Iorque, ainda mais com o senhor e as professoras! É uma coisa que não posso perder em minha vida”.

Chegando em Nova Iorque, avisamos o representante da Mendes Júnior sobre o pedido de Sapecado. Ele ficou meio na dúvida, mas acabou concordando em alterar a volta do funcionário para o mesmo voo nosso, três dias mais tarde.



Foto histórica

Em Paris, o tempo estava frio, mas, em Nova Iorque, estava mesmo gelado. A gente chegou cedo, devido à diferença de fuso horário. As mulheres foram fazer compras, mas nós dois fomos para o hotel dormir. De madrugada, o Sapecado me acorda, bastante eufórico: “Professor, professor! Está nevando. E eu nunca vi neve. Vamos na rua tirar uma foto!”. E lá fui eu com Sapecado, com uma câmera simples, para tirar fotos no meio da Rua 45. Eu tirei fotos dele e ele de mim. Então voltamos, gelados, para dormir o resto da noite.

Cabizuca teve de continuar assumindo as decisões práticas para Sapecado. De novo, armou o varal no quarto, e o aquecedor antigo, de ferro, também ajudou a secar as poucas roupas lavadas.

Pela manhã, saíram só os dois para tomar café. E, cinquenta metros adiante, surgiu um novo problema: bastou andarem menos de um quarteirão para terem a certeza de que era impossível andar a pé, naquele dia, em Nova Iorque, pois o passeio e as ruas ou eram poças de água gelada com fina camada de gelo por cima ou eram como autênticas barras de gelo dentro de um freezer.

Eu estava de tênis e meia de lã, que já estavam totalmente encharcados. E o sapato de Sapecado, nem pensar! Talvez fosse melhor ficar descalço, de tão ruim que estava o sapato. Voltar para o hotel não ia resolver nem pra mim nem pra ele. Por sorte, ao virar a primeira rua, demos de cara com uma sapataria. Entrar na sapataria e ver várias botas foi um alívio. Logo identifiquei uma bota comprida, toda forrada de lã de carneiro e com zíper. Calcei a bota, sem meia, e pensei: “Agora, vou até o Alasca”. E ainda protegi a bota com uma galocha. A minha compra ficou em menos de 60 dólares. Já o Sapecado comprou um sapato barato, e eu dei uma galocha de presente pra ele. Naqueles dias, nossas amigas emprestaram também xale e gorro para ele completar a vestimenta apropriada ao inverno rigoroso da cidade. Ele ficava parecendo um fantasma, com tanta roupa desencontrada.

Um dia, no hotel, usando o elevador, paramos num andar onde estavam vários adolescentes. Quando a porta se abriu, eles levaram tanto susto com a figura de Sapecado que nem entraram.

Ele estava, a cada dia, mais solto e descontraído. Não parava de falar que tinha sido uma sorte grande que ganhara na vida poder estar ali. E estava tão feliz que, de repente, falou enquanto caminhávamos, à noite, nas famosas ruas de Manhattan: “Professor, aquela mulher ali está dando bola para mim”.

Então, eu tive de cortar e dizer que não daria para acompanhá-lo naquela empreitada. Ele se acalmou e, a partir dali, passou então a admirar somente as esquinas iluminadas da noite nova-iorquina.

Fim de aventura. Na terceira noite, eles embarcaram no voo para o Rio e, na manhã seguinte, pegaram a conexão para Belo Horizonte. Sapecado tomou o rumo de casa, em Nova Lima, certamente com todas as lembranças de Paris e Nova Iorque.

Dias depois, Cabizuca pegou seu fusca e foi a Nova Lima receber o valor relativo ao empréstimo que havia feito. Sapecado pagou tudo direitinho, e eles se despediram na porta da casa simples do rapaz. Nunca mais se viram.



Desafios imprevistos

Muitas outras histórias marcaram a passagem de Cabizuca pelo Colégio Pitágoras no Iraque. Como os recursos materiais existentes no Iraque eram muito limitados, muitas vezes, era preciso ser criativo para compensar a falta de uma estrutura maior. Certa ocasião, por exemplo, eles ficaram sabendo que seria preciso organizar um desfile para festejar o Dia do Trabalhador, em primeiro de maio.

O acampamento da Mendes Júnior iria receber a visita de autoridades iraquianas que eram importantes para o contrato com a empresa. Chegaram a falar até na presença de Saddam Hussein, o que não se confirmou. Mas, na comitiva, estaria também o embaixador do Brasil. A direção da escola teria de organizar um desfile, com banda de música, para os alunos marcharem. Mas ninguém ali sabia marchar, e eles não tinham nem mesmo uma banda.

É difícil imaginar o que é fazer todos aqueles meninos aprenderem, de um dia para o outro, a tocar na banda e fazer um desfile. Mas Manoel Camargos, que era muito disponível e capaz de se arriscar em qualquer tarefa, juntamente com o funcionário da área de lazer da Mendes, ajudou muito a organizar todo o desfile. Os dois assumiram a banda, e eu assumi o desafio de ensinar os alunos a marcharem, valendo muito o aprendizado no Colégio Municipal e os dois anos vividos no CPOR (Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva). Mas alguns alunos não conseguiam coordenar as passadas com o movimento dos braços. E como havia necessidade de ficar um grupo diante do palanque, para cantar o Hino Nacional, eu coloquei esses meninos no Pelotão do Hino. No final, treinamos estudantes para tocar bumbo, tamborim e marchar direitinho. Tudo, evidentemente, ao som do Cisne Branco e de outras marchas apropriadas à circunstância. À frente do desfile, ia um pequeno grupo com a porta-bandeira, que era uma aluna negra, alta, forte e bonita, filha de um encarregado, em vez da filha de algum funcionário de alto escalão, o que era o usual.

Dizem que o desfile foi um belo espetáculo, que agradou a toda a comitiva iraquiana presente. Foi preciso também escolher um aluno para entregar uma corbelha de flores para a esposa do embaixador brasileiro.

Optamos por um menino, também filho de trabalhador, tipo o Sapecado – simples, cabelo crespo, pintadinho. Era uma homenagem nossa aos trabalhadores do dia a dia da luta. O desfile foi um sucesso!



Cerimônia de Coroação

Em outra ocasião, em um mês de maio de 1982, a professora de música, Marli Galetti, sugeriu que a escola organizasse uma cerimônia de Coroação de Maria em homenagem à grande maioria de moradores do acampamento.

O diretor topou a parada, mas, novamente, seria necessário improvisar muito, a começar pelas asas dos anjos, pois não havia nada parecido com penas na região. Era preciso também criar as palmas e a coroa de flores. No final das contas, a professora Marli improvisou tudo com criatividade, usando cones de papel e outros apetrechos.

O importante é que a Coroação aconteceu e, a partir daquele ano, virou tradição em todo mês de maio. As famílias gostavam muito dessas festas e iniciativas. A Marli adorou tudo e eu também.

Eu me lembro que a Marli, quando decidiu participar do grupo que iria trabalhar no Iraque, me disse que a mãe dela gostaria de conversar comigo. Em alguns dias, apareceu, então, a mãe dela e me disse o seguinte: “Professor Cabizuca, minha filha é muito menina, nunca saiu de casa e vai agora para muito longe. O senhor me garante que vai tomar conta dela?”.

O que eu poderia dizer? Então, disse a ela que iria fazer o possível. E acredito que foi muito boa a ida para o Iraque, pois lá ela descobriu seu futuro marido.

Outra boa recordação diz respeito aos alunos que concluíam o terceiro ano científico. Esses estudantes voltavam ao Brasil para prestarem o vestibular em seus estados, dando continuidade aos estudos.

E qual não era nossa alegria com a chegada dos telex falando da aprovação de cada um deles. Isso contagiava os alunos e as famílias nos acampamentos. Era uma alegria generalizada.



Funcionários estrangeiros

Naquela época, o Iraque possuía onze milhões de habitantes, e o maior contingente de trabalhadores braçais era de egípcios, que constituíam quatro milhões de pessoas em todo o país, segundo censo da época.

A limpeza da escola era feita por trabalhadores egípcios, que diziam para os diretores, claramente, que estavam ali porque a comida era farta e a remuneração muito boa. Um egípcio de nome Jamal, como recorda o professor Cabizuca, foi o que ficou mais tempo com eles.

Com esse tipo de mão de obra, vez por outra, havia um novato. E não é que, um dia, um egípcio, que trabalhava há uns três ou quatro dias, uma pessoa baixinha, magra, que estava no horário de trabalho, sumiu? Eu o procurei por toda a escola e não o encontrei. Disseram-me que ele estaria dentro de uma determinada sala. Fui pra lá e não vi ninguém. Havia vários armários de aço com grandes prateleiras. Abri um deles. E lá estava o egípcio dormindo, todo encolhidinho. Não o mandei embora, mas ele levou uma reprimenda pesada e depois entrou na linha.

Em geral, Cabizuca mantinha uma relação muito boa com os funcionários de outros países, que estavam lá para ganhar seus salários e também se alimentar. Por isso, a comida era muito farta, e o diretor não deixava faltar os marmitex extras, à noite, fornecidos na cantina pela Mendes Júnior. Em outro episódio dos muitos que povoaram sua jornada no Iraque, Cabizuca foi obrigado a repreender mais um estrangeiro, dessa vez um turco, que tinha o hábito de lavar a dentadura na pia da copa.

Ele era um motorista muito educado, uma pessoa muito boa. Então, eu expliquei a ele que aquela pia não era apropriada e que ele deveria lavar a dentadura lá fora, no tanque.



Cuidados com os professores

Os principais cuidados do diretor Cabizuca eram dispensados, sem dúvida, à sua equipe de professores. E ele sabia que a palavra cuidar remetia a todos os detalhes, desde uma atenção no cotidiano – e que fazia toda a diferença – até as conversas mais pessoais. Era uma atitude que já vinha acompanhando o empresário Cabizuca em todos os momentos de sua relação direta e cotidiana com os professores e funcionários.

Eu sempre tive esse cuidado especial com os professores. Na época da volta das férias no Brasil, por exemplo, eu sabia o horário do voo de cada um e da chegada em casa. Na véspera, eu comprava pão, bolo e tudo o mais para o café da manhã. Tínhamos uma verba da escola para isso. E se eu não estivesse no Iraque, havia a determinação de providenciar, no supermercado, gêneros de primeira necessidade para suprir uma refeição adequada quando a família chegasse.

Eu não tenho dúvida: são essas pequenas coisas que fazem a diferença.



Saudades do chope

Depois de mais de um ano no Iraque, Cabizuca usava as horas de lazer para pensar na vida. E era o momento também que dava aquela saudade da terra natal e das coisas boas que sempre fazia em BH.

Quando chegava a sexta-feira, que era o dia de descanso nosso lá, eu imaginava que estava no BH Shopping, tomando aquele chopinho gelado e comendo pizza na praça de alimentação. Por isso, quando chegava a Belo Horizonte, já tinha lugar certo para ir.

Era nesses momentos também que eu pensava na minha vida, percebendo como aquela jornada no Iraque estava sendo uma experiência muito boa para mim. Era muito significativo o fato de estar mais perto das pessoas, como os professores, e, especialmente,da minha mulher e dos filhos. Era uma relação muito intensa, pois todos se encontravam o tempo todo. Se não era na escola, era no supermercado ou na rua. O nosso universo era muito restrito, por isso, o contato era tão próximo.

Mas como o chope da praça de alimentação estava a mais de onze mil quilômetros de distância, Cabizuca se satisfazia tomando cerveja Ouro Fino, cujo carregamento saía diretamente do Brasil para lá. Ele mantinha sempre um estoque com uns seis fardos de latinhas em casa, para qualquer emergência. E sempre tomava algumas latinhas à noite, depois de uma boa caminhada e dos exercícios físicos, observando o Rio Eufrates passar ali na frente, sem pressa.

Entre o rio e sua casa, havia um campo de futebol, não gramado, onde as partidas eram disputadas em meio a um grande poeirão. Nos finais de tarde, em torno desse campo, Cabizuca dava suas longas corridas. Ele chegava a dar mais de trinta voltas, que eram contadas por meio de um método prático: ele ia colocando pedrinhas, num cantinho ao lado do campo, para marcar cada volta.

Cabizuca não tinha o que reclamar do conhaque que aprendeu a tomar no Iraque. Afinal, o Hennessy V.S.O.P. é produzido pela Maison Hennessy, considerada a pioneira na arte da elaboração do produto da região de Cognac. Fundada em 1765, na França, a marca está presente hoje em mais de cento e trinta países e é líder mundial na categoria.

A cerveja Ouro Fino era comprada no supermercado local, assim como todos os demais produtos de alimentação. Eles tinham acesso a tudo de bom que vinha da Europa, como frutas, carnes e presuntos de primeira linha. Foi nessa época que Cabizuca aprendeu a apreciar um dos mais famosos conhaques do mundo, o francês Hennessy.



As cartas

Ao longo de sua estada no Iraque, Cabizuca escreveu dezenas de cartas, endereçadas aos familiares, sócios, professores e amigos em geral. Consequentemente, não eram também poucas as correspondências que recebia. Tudo isso está muito bem guardado, até hoje.

Eram muitas as cartas recebidas e enviadas. A Simone, minha filha, estava fazendo intercâmbio nos EUA. Telefonar para lá era uma luta. Então, o jeito era escrever. Me correspondia também com a Vitória e com muito mais gente. Como esquecer, por exemplo, a carta que Walfrido me mandou, refletindo sobre o futuro do empreendimento, que tinha completado 15 anos.

No final de 1982, Cabizuca escreveu uma carta muito emocionada, endereçada aos professores do Pitágoras, agradecendo a homenagem de despedida que recebera, um ano antes, ao partir para o Iraque. A carta foi lida em voz alta em muitas salas dos professores, nas diversas unidades do Pitágoras. Confira a sua íntegra.



Férias: Europa Oriental

Depois de mais um semestre letivo, em julho de 1983, Cabizuca e Marilda resolveram fazer uma viagem pela Europa Oriental e região, com paradas em diversos países, como Turquia, Grécia, Bulgária e Iugoslávia (com a desintegração, na década de 1990, o antigo país deu origem a seis outros: Bósnia-Herzegovina, Croácia, Sérvia, Montenegro, Macedônia e Eslovênia). Os filhos ficaram com uma senhora, cunhada de uma prima de Marilda, que chamavam de Vlé. Ela era esposa do engenheiro Maurício e, ao cuidar de crianças cujos pais viajavam, recebia uma remuneração extra. Naquela ocasião, Mauro Gonçalves de Souza, professor de matemática, também ajudou a olhar Juliana e Júlio durante o dia. Para o casal, era preciso aproveitar a oportunidade, pois faltava menos de um ano para o retorno ao Brasil.

Outros professores se uniram ao casal, formando um grupo de doze viajantes, que fretou um ônibus em Istambul e reservou hotéis para um tour na Turquia, Bulgária e Iugoslávia, com retorno a Istambul. Na época, o uso de cartão de crédito internacional não era corriqueiro, e os países impunham conversões das moedas locais para o dólar muito desfavoráveis aos viajantes.

Tínhamos que usar dinheiro em espécie – dólar – ou travelers cheques que eram trocados pelo dinheiro em espécie pelo câmbio do dia. É bom lembrar que, naquela época, cada país tinha sua moeda, pois o euro só foi adotado no ano 2000.

Por isso, todos acabavam viajando com dólares em espécie, moeda que era aceita com facilidade. Era comum, portanto, as pessoas buscarem esconderijos nas roupas e bagagens de mão para guardarem as reservas de dinheiro na moeda norte-americana. Por isso, as revistas nas alfândegas eram um pouco tensas.

Numa dessas revistas, Marilda foi pega com dois mil dólares em um fundo falso de uma bolsa. Ela chegou a ser separada do grupo para inspeção, mas provou que o dinheiro fora comprado legalmente no Brasil e, por isso, foi liberada. Quando ela entrou no avião, onde o restante do grupo já estava acomodado, e informou que fora liberada com os dólares, Cabizuca não titubeou, anunciando que a próxima rodada de cerveja seria por conta dele!



Na Cortina de Ferro

Além de conhecerem muitos pontos turísticos, o grupo teve contato também com a realidade local. Na época, a maioria daqueles países era regida por regimes totalitários. Na Turquia, por exemplo, eles presenciaram pessoas sendo presas na rua, onde eram acorrentadas pelos dois braços e pelas pernas, sendo conduzidas assim, no meio da multidão, pelos policiais. Era, sem dúvida, uma cena assustadora.

Um capítulo especial daquela viagem foi a decisão de Cabizuca e Marilda de fazerem o trecho entre Belgrado e Atenas, na Grécia, no famoso trem Expresso Oriente, junto com o casal Lúcio e Fátima e a filhinha deles, Luciana. Resolveram, então, comprar passagens de primeira classe, ao custo de cem dólares cada, para usufruírem todas as regalias da viagem noturna entre as duas cidades.

Ledo engano, pois nada haveria de bom naquela viagem. E eles nunca poderiam imaginar o que estava por acontecer.

Ao chegarem à estação, havia uma multidão de iugoslavos tentando embarcar. Eles ficaram sabendo, então, que haveria uma festa em algum lugar ao longo do trajeto, onde toda aquela gente iria descer.

Nós mal conseguimos chegar perto da plataforma de embarque. Não havia a menor chance de argumentar que nossa passagem era de primeira classe, muito menos chegar aos nossos lugares, previamente marcados. O trem partiu e nós ficamos. Fomos procurar o chefe da estação, que não deu muita explicação e só remarcou a passagem para o dia seguinte.

Fomos, então, pegar um táxi de volta ao hotel. Tínhamos de pegar o primeiro da fila, que pediu um preço altíssimo. Negociamos com o motorista de trás, mas o primeiro não tirava o carro da frente. Uma máfia completa.

Em passagem por Istambul, o grupo decidiu ir, à noite, a uma daquelas boates com shows ao vivo, em que bailarinas dançavam e requebravam bem perto dos turistas – especialmente dos homens, em troca de algumas gorjetas em dólares. Cabizuca nunca esqueceu o que ocorreu ali:

Uma daquelas bailarinas estava vestida como uma odalisca. Ela chegou, encostando em mim, com uma fitinha de elástico amarrada em volta da cintura. Eu peguei uma nota de cinco dólares, puxei o elástico e a coloquei ali. Mas quem não gostou nada foi a Marilda, que estava do meu lado e amarrou a cara.

De volta ao hotel, eles foram jantar. Cabizuca teve, então, uma percepção do que era um país que compunha o Bloco Soviético. Do lado deles, sentaram-se dois iugoslavos ricos, que tomavam um vinho bem caro. Ele percebeu, contudo, que as roupas e os sapatos deles eram bem parecidos com as vestimentas dos motoristas de táxis com os quais negociaram horas atrás e dos garçons que os atenderam.

Não havia variedade de produtos para o consumo – até nas vitrines das lojas, os itens não eram exibidos e simplesmente ficavam empilhados em caixas. Mas as cidades eram muito lindas, com praças maravilhosas e muito limpas, e as pessoas, muito educadas.

Pois bem, na manhã seguinte, de volta à estação do Expresso Oriente, a situação não foi muito diferente, mas, pelo menos, os cinco viajantes conseguiram entrar no trem e ocupar os assentos.

Foi de novo um avanço na hora de embarcar. Não tinha essa de primeira classe. A diferença foi que conseguimos nos sentar para uma viagem de doze horas. O banheiro era imundo, e havia muitos jovens hippies viajando em pé. Muitas mocinhas bonitas, de mochila nas costas, dormindo no corredor do trem. Não dava nem para andar. Para pegar água, tínhamos de aproveitar as paradas do trem para usar os chafarizes existentes na plataforma ou para comprar. Veja só, a gente comprando garrafinha de água na estação, tendo pago passagem de cem dólares. O trem era um fracasso absoluto e total!

O grupo aproveitou bem a visita a Atenas, mas, na hora de ir para o aeroporto e embarcar de volta para Bagdá, novos imprevistos: havia greve de taxistas. A única solução que restou ao casal foi contratar os serviços de um verdureiro, dono de uma caminhonete bem desgastada.

Jogamos as malas na carroceria e fomos para o aeroporto. Mas, enfim, valeu a pena. Aqueles países viviam momentos políticos confusos, mas tudo valeu para conhecermos bem a realidade deles.



1984: fim da missão

De volta à vila do km 215, Cabizuca retoma sua rotina de diretor da unidade até o encerramento do ano letivo de 1983. Estava chegando ao final sua missão no Iraque à frente do Colégio Pitágoras.

No final de 1983, antes do Natal, ele e a família embarcam, definitivamente, de volta para Belo Horizonte.

Mas, antes de voltar ao Brasil, fomos para Roma: eu, Marilda, as três crianças e minha irmã Leda Maria, que também trabalhou no Iraque. Lá encontramos minha irmã Carmen Lúcia (Cita) e passamos bons dias na capital da Itália. Passeamos em Roma, passamos quatro dias em Veneza e, depois, uma semana em Paris. Toda noite, eu programava o dia seguinte, definindo o trajeto de metrô, todos os passeios e onde almoçar. Era uma delícia! No retorno, fomos para o mesmo hotel em Roma, pegamos as malas guardadas e voltamos ao Brasil. E chegamos na véspera do Natal. Foi lá em Roma que abandonamos o carrinho da Mariana. Antes, fiz uma vistoria completa nele, pois era o nosso pequeno carro-forte, com reserva de dólares que ficavam enrolados, nos tubos de alumínio da estrutura do carrinho, para alguma emergência.



Pitágoras: Missão Educacional

De volta ao Pitágoras, no início de 1984, era hora de Cabizuca tomar pé de tudo o que estava acontecendo na instituição, após assumir o cargo de diretor da unidade Timbiras. E as coisas estavam bem evoluídas em termos da filosofia de ensino da organização.

Logo no início do ano, eu fui participar de um encontro nosso, realizado no auditório da Escola de Medicina da UFMG, na Avenida Alfredo Balena. Eu estava me sentindo um peixe fora d’água, pois não tinha participado de nada nesse sentido naqueles dois anos. Por isso, aquele momento da retomada no Pitágoras foi de grande valor para mim.

Naquele momento, o professor Evando teve uma relevante atuação na organização, pois ele era, entre os sócios, o de maior espírito filosófico. Desse modo, a elaboração da Missão Educacional encaixava-se como luva em seu perfil.

Realmente, foi o Evando que trabalhou muito naquela elaboração e também dirigiu, com perfeição, todos os encontros e reflexões que nos levaram à formulação da Missão Educacional do Pitágoras. Aliás, ele sempre foi, entre os dirigentes da organização, o maior estimulador dos encontros educacionais, entre eles, alguns dos congressos que iríamos realizar.

Naquele encontro da Escola de Medicina, a Missão Educacional do Pitágoras foi oficialmente explicitada para todos os professores do grupo. O documento era fruto de reflexões realizadas por uma equipe de educadores e dirigentes do Pitágoras, no ano de 1983, período que coincidiu, quase totalmente, com a ausência do professor Cabizuca, que estava à frente de uma das unidades do Pitágoras no Iraque.



Piso filosófico

As conversas iniciais que resultariam na formulação da Missão tiveram a participação fundamental do professor Lúcio Fonseca, que também iria para o Iraque dirigir a outra unidade do Pitágoras no país.

Em 1981, o Lúcio, que estava havia pouco tempo no Pitágoras, nos disse: “O Pitágoras já é uma grande instituição, que está completando 15 anos, mas ainda não temos um piso filosófico. É preciso investir nisso”. Ele era pedagogo e já simbolizava uma voz importante e diferente das nossas, os sócios, que vínhamos das engenharias. Essa fala foi um dos elementos que ajudaram a despertar em nós a necessidade da formulação da Missão Educacional.

Esse fato ocorreu em um encontro de educadores do Pitágoras realizado no Hotel Ipê Amarelo, sob a coordenação do psicólogo Antônio Roberto, que passaria a dar importantes contribuições também em outros encontros da organização em anos seguintes.

Tais eventos iam se mostrando extremamente proveitosos para os educadores e diretores, por isso, tornaram-se frequentes. Um dos primeiros ocorrera em meados dos anos 1970, reunindo diretores, coordenadores e alguns professores sob a liderança do filósofo José Anchieta, professor da UFMG, e foi realizado na Fazenda da Caieira, nas proximidades da cidade de Ouro Preto.



Inovações acadêmicas

Cabizuca recorda que a participação de Evando, nas formulações acadêmicas do Pitágoras, sempre foi relevante na organização. Assim, já em 1973, Evando e outros coordenadores, juntamente com o diretor Hélio Gomes, participaram de uma capacitação com o professor Giovane Gazzinelli, da Escola de Medicina da UFMG. O objetivo era a introdução, no Pitágoras, de uma tecnologia de ensino chamada Aprendizagem para o Domínio. À época, quem liderou o método para implantação, na instituição, foi Hélio Gomes.

Tratava-se de um modelo que permitia ao aluno realizar uma avaliação formativa, aplicada antes de uma avaliação definitiva, para que ele pudesse vivenciar uma experiência muito próxima, em termos operacionais e de conteúdo, da prova propriamente dita que ele faria a seguir.

Nós estávamos no segundo ano do Colégio Pitágoras Timbiras, que fora inaugurado em 1972. Ou seja, mal tínhamos criado nosso primeiro colégio e já estávamos lançando um diferencial, formulado com uma base acadêmica própria.

No caminho das inovações, já no primeiro semestre de 1976, o professor Evando foi responsável pelo desenvolvimento de uma estrutura tecnológica inédita para a realidade da nova unidade do pré-vestibular que estava sendo inaugurada na Rua Espírito Santo, com a existência dos chamados salões, que comportavam até duzentos alunos.

Ao lado do diretor Hélio Gomes, Evando desenvolveu um sistema de projeção de slides para que o professor pudesse projetar, em tamanho compatível com o ambiente, figuras, quadros e todo tipo de imagem.

E quando fomos começar o semestre, em agosto, preparamos os professores para darem as aulas com slides. Aquele sistema oferecia ganhos pedagógicos enormes, além de otimizar o tempo das aulas. O Evando orientou professores e coordenadores na implantação e no uso da tecnologia. Ou seja, ele ia se tornando na prática, a cada dia, nosso diretor de ensino.



Educação sexual: debate necessário

Naquele ano de 1984, outra atividade importante teve início nas unidades do Colégio Pitágoras, além da divulgação da Missão Educacional, com grande repercussão entre alunos e professores – a implantação de um programa de orientação sexual, com diversos tipos de atividades em sala de aula e extraclasse.

Aquilo foi uma coisa muito importante, que não ficou só na cabeça dos professores. No início, os temas causaram certa celeuma, mas logo transbordaram para fora das salas de aula e chegaram até as famílias, que participaram de reuniões sobre a questão, organizadas por uma equipe intitulada Grupo de Orientação Sexual (GOS).

Uma das questões que ajudaram a embalar a iniciativa foi o surgimento da aids, no início dos anos 1980. E um dos temas que se tornou recorrente, nas aulas de orientação sexual, passou a ser exatamente a importância do uso dos preservativos, em especial, a camisinha.

Teve uma professora na Pampulha que revolveu colocar uma camisinha em uma banana, durante a aula, para demonstrar a forma correta do uso do preservativo. Aquilo criou um auê na sala e chegou a gerar certo alvoroço nos pais, mas tudo foi sendo muito bem explicado e absorvido. Ou seja, as questões estavam deixando de ser segredo para serem debatidas com maturidade. Para mim, que tinha duas filhas mais jovens e três mais adultas, tudo aquilo foi, pessoalmente, muito bom, pois quebrou algumas barreiras. Eu me senti muito mais preparado para conversar com as mais novas, evitando falar bobagens e tendo argumentos consistentes.

Aquele período, portanto, foi de fortalecimento do Pitágoras como escola e espaço para reflexões sobre educação e formação. Essa musculatura deveu-se, em grande parte, àquelas duas iniciativas – a Missão Educacional e o programa de orientação sexual. Particularmente, o ano de 1984 serviu para o professor Cabizuca voltar à ativa no ambiente da escola, depois da temporada no Iraque.

Nesse contexto, Cabizuca relata o caso de um educador que trabalhava com eles e tinha vindo de uma escola religiosa muito tradicional. À época, ele tinha uma filha de dezessete anos. Às vésperas do Carnaval, ela avisou que iria acampar, em Furnas, com o namorado e outros amigos. O pai, ansioso, queria conversar sobre sexualidade com a filha e não encontrava a maneira mais natural. Mas também não queria ficar omisso e distante. Até que encontrou um meio-termo: foi à farmácia, comprou diversas camisinhas e colocou na bolsa da filha.

Ou seja, foi a forma que ele encontrou de participar. Diante dessa e de outras histórias, a ficha foi caindo, e vimos que era preciso entrar de sola no tema, sem ficar com meias palavras ou conversas veladas.



Operações externas

Apesar das turbulências políticas e incertezas econômicas da época, o Pitágoras buscou sua forma de crescer ao longo dos anos 1980. O caminho foi a criação de escolas fora de Belo Horizonte, sempre vinculadas a grandes construtoras com alguma obra de porte em andamento. A exemplo do que ocorrera nas duas unidades do Pitágoras no Iraque, as escolas eram implantadas nos canteiros de obras para atender os filhos de funcionários da empreiteira.

Na prática, ocorreu o seguinte: o Iraque foi realmente uma escola fantástica para nós. Com ela, perdemos o medo de operar fora de Belo Horizonte – e em situações muito adversas, típicas dos canteiros de obras. E, ao longo dos anos 1980, foram muitas as experiências.

As chamadas operações externas, que eram as escolas implantadas fora de BH, realmente se expandiram muito e se tornaram grandes oportunidades de aprendizagem para a Instituição e para os professores, pois eram recebidos alunos dos diversos estados do Brasil e com níveis de escolaridade totalmente diferentes.

Naquela década, o Pitágoras chegou a ter unidades em Balbina, no Amazonas; em Porto Trombetas, no Pará; em Porto Velho, em Rondônia; no Congo, na África; em Jacundá, em Rondônia; em Tucuruí, no Pará; em Angola, na África; no Equador ; em Carajás, também no Pará; e na China.

A criação das novas unidades passou, portanto, a representar uma grande oportunidade de crescimento para a organização. Em 1986, por exemplo, somente a unidade de Tucuruí, que tinha doze mil alunos, foi responsável por 30% da receita do Pitágoras.

Podemos dizer que o crescimento das operações externas foi a grande marca do Pitágoras nos anos 1980. Foi muito bom para nós e para os professores, que passavam a ter também uma remuneração diferenciada.

E as condições eram mesmo muito adversas. No Equador, por exemplo, os riscos de acidentes eram muito altos. Para se chegar à unidade do Pitágoras, era preciso viajar cento e vinte quilômetros, em estradas de terra apertadas nas montanhas, à beira de precipícios. Antes de encarar essas vias, era preciso viajar em pequenas aeronaves que saíam de aeroportos precários, a todo momento fechados devido às adversidades do tempo.

Mas, afinal, qual foi a grande marca do Pitágoras quando ele completou vinte anos de existência, em 1986? Para Cabizuca, a resposta é simples e direta.

A nossa grande pegada, daqueles vinte anos, ainda era a preparação e a aprovação nos vestibulares. Nós estávamos concentrados na Rua Espírito Santo, no prédio que construímos dez anos antes, em 1976. Já não tínhamos outras unidades de pré. Mas os colégios estavam em expansão, e tudo indicava um belo futuro pela frente. Já contávamos com a unidade Timbiras, que foi a inicial, a Cidade Jardim, de 1974, e a Pampulha, de 1977. Agora, se analisarmos só a década de 1980, a nossa marca foi mesmo o crescimento das operações externas.

Naquele tempo, o Brasil atravessava um período de turbulência política. O País estava saindo da ditadura militar, com previsão de eleições presidenciais indiretas, pois o novo presidente seria escolhido pelo Congresso Nacional. Foi quando começou, em 1984, um grande movimento de rua, conhecido como Diretas Já, visando à realização de eleições livres e diretas. Uma emenda parlamentar com essa reivindicação foi votada e rejeitada pelo Congresso Nacional. Na sequência, o ex-governador de Minas, Tancredo Neves, foi eleito indiretamente, derrotando o deputado paulista Paulo Maluf.

Mas Tancredo adoeceu um dia antes da posse, que seria em 15 de março de 1985, e acabou morrendo em 21 de abril. No lugar dele, assumiu o vice, José Sarney. Em 1986, ele implanta o Plano Cruzado, para tentar acabar com a inflação crescente, que chegava a 26% ao ano.



Robert Lamp: uma contribuição essencial

Em 1986, os sócios do Pitágoras e algumas lideranças tiveram um encontro, em Belo Horizonte, com o professor e consultor norte-americano Robert Lamp. Ele trouxe uma contribuição essencial para a organização, com forte foco na formação de lideranças em educação.

Lamp já havia se tornado uma referência para alguns dos sócios antes disso. Walfrido, em 1981, e Evando, em 1982, tiveram a oportunidade de fazer cursos de liderança em educação, inclusive com o consultor, na Universidade de San Francisco, Califórnia. Com base nesse contato, surgiu o convite a Lamp para vir a BH, em 1986. O encontro foi tão proveitoso que o professor voltou em 1991, por ocasião do I Congresso Pitágoras Qualidade em Educação.

Em 1986, Lamp foi o responsável pela implantação do primeiro sistema de gestão do grupo, por meio da metodologia da Avaliação da Efetividade da Escola, que se tornou referência educacional a partir de então.

Nós nos reunimos com o professor Lamp no Othon Palace Hotel. Éramos os três sócios e algumas lideranças do Pitágoras. Antes de começar o encontro, estávamos, alguns de nós, esperando encontrar um consultor norte-americano todo tecnológico, com computador à mão e tudo o mais. Mas eis que chega um senhor simples, de 72 anos, que logo se revela um humanista completo! De cara, isso criou uma grande cumplicidade entre todos nós. Ele ressaltava muito o lado humano das relações, com ênfase no espírito educacional do professor.

Em síntese, Lamp dizia que as relações humanas precisam estar baseadas em três valores: o respeito; o apoio (mutuamente compartilhado); a confiança (a linguagem do amor).

Ele dizia que o ser humano, ao se relacionar com qualquer outro, tem como base o respeito. O segundo degrau, nessa relação humana, é o apoio ao outro − uma forma de ajudar, de compreender, de conversar, de trocar ideias, apoio esse mutuamente compartilhado.

E o terceiro nível − confiança − é a linguagem do amor. Aquela pessoa com a qual você chegou a um nível de total interação. E ele dizia que, para esse nível, você só consegue chegar com poucas pessoas. Seria a linguagem entre os casais ou entre os amigos de fato.

Não tenho dúvidas de que os valores explicitados por Lamp tiveram grande influência em cada um de nós; em nós três, como sócios; e na organização como um todo. A interação com Lamp deixou muito fortes esses três conceitos em nós. Isso é fortíssimo.

Particularmente, esses ensinamentos me trouxeram um grande conforto espiritual e um forte amadurecimento como educador. Com o passar do tempo, eu tenho conseguido chegar a esse terceiro nível de maneira muito satisfatória. Por isso, tenho imensa gratidão a ele.



1986: grandes mudanças

O ano de 1986 marca ainda a saída do professor Mazoni da sociedade. Com o desligamento de Marcos Mares Guia, ocorrido em 1976, o Grupo Pitágoras passa, então, a ser dirigido pelos três sócios que estão, até hoje, na organização – Walfrido, Evando e Cabizuca.

O Brasil viveu também, naquele ano, a experiência do Plano Cruzado, lançado em fevereiro pelo então presidente Sarney, para combater a inflação. Ele previa a troca da moeda, com cortes de zeros e um acirrado congelamento de preços. Se, para muitos, a iniciativa poderia representar uma perspectiva de um combate eficaz à inflação e esperança de dias melhores, para as empresas, em geral, foi um grande problema.

O País começou a sofrer forte desabastecimento. Na área de produção, muitos empresários não queriam vender seus produtos com o preço congelado. Na área de serviços – incluindo a educação –, o governo impôs a utilização de umas tablitas nos preços para, supostamente, retirar dos preços o que seria uma projeção de inflação futura e elevada.

Evidentemente, o Pitágoras também sofreu muito com os impactos do Plano Cruzado. Todas as escolas particulares teriam de fazer reduções nos preços de matrículas, mensalidades, cursos livres, livros didáticos etc.

Aquilo tudo foi uma tristeza para nós. Foi terrível. O Plano Cruzado foi anunciado em fevereiro, no início do ano letivo, com todas as matrículas efetuadas e as mensalidades definidas e já sendo cobradas. Mas a divulgação do Plano era muito confusa. Tivemos que fazer reuniões e mais reuniões com os pais, para explicar e buscar um entendimento.

O País passou a viver um grande confronto. De um lado, os empresários, meio acuados com tantas mudanças e dificuldades de estabelecer ou manter preços de produtos e serviços. De outro, uma população ávida por reduções de preços e combate a eventuais reajustes. Ficou famosa a figura das fiscais do Sarney, nos movimentos de donas de casa, para combater eventuais aumentos de preços.



Amizade desfeita

Particularmente, Cabizuca viveu, naqueles dias, uma cena muito desagradável. Em um domingo, ele chegava ao clube do qual era sócio, na região da Pampulha, para as tradicionais partidas de peteca com os amigos. Ao se encontrar com um deles, já no interior do clube, Cabizuca não podia acreditar no que via e ouvia.

Aquele amigo tinha filhos no Pitágoras. Ele fora meu contemporâneo de Colégio Municipal e de curso de Engenharia, uma pessoa de dentro da minha casa. Eu estive ao lado dele nos momentos de maior dificuldade de sua vida. Naquele instante, estava descontrolado, de dedo em riste em minha direção, dizendo: “Agora, você vai ter que devolver!! Devolver o dinheiro cobrado a mais nas matrículas e nas mensalidades que eu já paguei para os meus filhos. Está tudo no decreto do Sarney!”.

Evidentemente, Cabizuca acabara, ali, de perder um amigo.



Muitas dificuldades

Estava começando, em 1986, um período muito difícil para as empresas e para os brasileiros em geral, pois, já no final do mesmo ano, o Plano Cruzado dava sinais de que não iria ter sucesso. No ano seguinte, a inflação voltou com fôlego redobrado, até chegar aos 80% ao mês no final do governo Sarney.

O ano de 1989 é marcado por uma acirrada disputa eleitoral – a primeira livre e direta após os anos da ditadura militar. Mais de quinze candidatos de vários espectros políticos entram na corrida: Fernando Collor, Lula, Leonel Brizola, Mário Covas, Ulisses Guimarães, Guilherme Afif Domigos, Ronaldo Caiado, dentre outros.

Collor vence Lula no segundo turno e anuncia um plano econômico novamente focado no combate imediato à inflação. Ele dizia em sua campanha: “Vou acabar com a inflação com um tiro só”. E o que ele fez? No segundo dia de seu governo, Collor implanta um confisco de dinheiro de todas as aplicações financeiras, incluindo a poupança, e parte dos valores em conta corrente das pessoas físicas e jurídicas. As pessoas e as empresas só poderiam retirar de suas contas correntes e da poupança o valor máximo de cinquenta mil cruzados novos.

Mais uma vez, o País passava a viver os traumas, as incertezas e as esperanças de um plano econômico nada ortodoxo, visando combater os males no curtíssimo prazo. E, mais uma vez também, lá iam os diversos segmentos da sociedade tentar negociar contratos e acordos em andamento, o que incluía, obviamente, as escolas e as famílias.

Cabizuca, Walfrido e Evando são levados a encarar outra maratona de encontros com professores e assembleias com pais para tentarem chegar a algum tipo de entendimento, novamente com base em planilhas de custos e muita negociação.

A gente encarava auditórios lotados, e a confusão era muito grande. Certa feita, surgiu a ideia de criarmos uma comissão de negociação, para que a escola apresentasse suas planilhas e pudesse justificar seus custos. Foi o início do entendimento, mas, mesmo assim, havia muito pai revoltado. Mas o problema era do governo – e não exatamente nosso.



Negociações diversas

Do ponto de vista operacional, o período entre 1986 e 1996 foi, portanto, uma década de muitas negociações e dificuldades de entendimento com pais e professores, devido às mudanças decorrentes dos planos econômicos – até a implantação do Plano Real, que representou o início da estabilidade monetária e o retorno da normalidade jurídica, econômica e política para o Brasil.

Esse período de dez anos proporcionou para nós, os sócios, um aprendizado fantástico, exatamente pelas tantas dificuldades enfrentadas. Nós tínhamos, por exemplo, a imprensa na nossa cola, para saber como estávamos nas diversas negociações. Muitas vezes, saíam notícias truncadas e tínhamos de correr atrás. Mas foi um período de grande consolidação da nossa organização. Afinal, não só saímos inteiros dessa crise, mas, mais do que isso, crescendo!

Novamente, o plano econômico lançado não gerou os resultados esperados, e a inflação continuava a castigar o Brasil. Com dois anos de mandato, Fernando Collor sofre o impeachment no Congresso Nacional e é substituído pelo vice, o mineiro Itamar Franco. O novo presidente convida Fernando Henrique Cardoso para ministro da Fazenda, que, por sua vez, convoca um grupo de economistas renomados para buscar outro plano econômico para o Brasil.

O cenário só iria mudar, estruturalmente, em 1994, quando foi implantado o Plano Real, coordenado por Fernando Henrique Cardoso, no final da gestão de Itamar Franco. Com sólida indexação às reservas cambiais do País, o Plano Real surte efeito já no curto prazo, reduzindo rapidamente a inflação para a casa de um dígito ao ano. A iniciativa se mostra eficaz, deixando para trás um rastro de programas malsucedidos e incapazes de combater a alta persistente dos preços no País.



I Congresso Pitágoras Qualidade em Educação

No meio desse período difícil, foram realizadas ações fundamentais para garantir a superação e gerar crescimento mesmo na crise. Uma delas ocorreu no início da década de 1990, quando o Pitágoras viveu uma experiência extremamente relevante do ponto de vista educacional e de gestão escolar, a qual marcou época e gerou muitos frutos: a realização do I Congresso Pitágoras Qualidade em Educação, em 1991.

Foram três dias de encontro, realizado no Minascentro, à época, o maior espaço para grandes eventos de Belo Horizonte. Com a presença de cerca de dois mil e quinhentos participantes, o Congresso reuniu educadores de todo o País e palestrantes dos mais renomados, como os consultores Robert Lamp, que veio dos EUA, e Vicente Falconi, especialista em Qualidade Total, além de inúmeros outros experts de diferentes áreas.

Lamp, de volta ao Brasil, proferiu a palestra “Transformando a escola: o processo inclusivo”, que ressaltava a importância da integração entre professores, alunos, pais e diretores.

Eu fiquei responsável pela coordenação de toda a estrutura do encontro, com o apoio de uma bela equipe. Estávamos imbuídos dos valores da qualidade total, de modo que tudo tinha de sair o melhor possível. As palestras, por exemplo, começavam impreterivelmente no horário. Às oito horas em ponto, com a plateia presente ou não, lá estava o palestrante, com microfone testado e tudo direitinho para começar. Muita gente não estava acostumada com isso, mas mudar esses paradigmas fazia parte dos nossos propósitos.

Cabizuca cuidou também da recepção dos convidados desde o Aeroporto da Pampulha, o que incluía transporte aéreo, traslados, hospedagens, carros e cicerones para acompanhar os palestrantes. No Congresso, cada palestrante tinha um acompanhamento específico, uma pessoa que era responsável pelo atendimento ao palestrante durante todo o evento. O cuidado com os convidados era total. Ele se lembra, por exemplo, do antropólogo Roberto DaMatta, que pedira uma cama de casal, pois viria com a esposa. Um dia antes, Cabizuca foi checar no hotel e viu que o pedido não fora atendido. Ele resolveu tudo na hora. Depois do evento, DaMatta enviou mensagem agradecendo a acolhida e elogiando a organização.

Nós tínhamos gente, vinte e quatro horas por dia, para atender às necessidades dos convidados. Afinal, aquele era o nosso primeiro congresso e tinha de ser o melhor. Em diversas palestras, os participantes chegaram a lotar o grande auditório do Minascentro. Tivemos de colocar telões nos corredores para que ninguém perdesse nada.

Foi, realmente, um congresso espetacular! Um momento especialíssimo, à altura dos 25 anos da organização, que estávamos comemorando naquele ano – ou seja, nossas Bodas de Prata! Até o professor Falconi, que foi meu contemporâneo na Escola de Engenharia, ficou impressionado com o cumprimento dos horários das palestras.

No encerramento, em meio a centenas de elogios, o Evando anunciou o próximo congresso para dali a dois anos.

E não deu outra. Em 1993, aconteceu a segunda edição do Congresso Pitágoras Qualidade em Educação, também com grande sucesso de público. No ano seguinte, foi realizada a terceira edição e, em 1996, o IV Congresso coincidiu com as comemorações dos 30 anos do Pitágoras.

Como fruto da primeira edição, os sócios decidiram aprofundar os estudos sobre Qualidade Total, cujos fundamentos tinham sido criados pelos norte-americanos e aprimorados pelos japoneses. E introduzidos, no Pitágoras, pelas mãos do professor Falconi, um dos maiores consultores da área no Brasil.



Qualidade Total na escola

Meses depois, o Pitágoras passou a elaborar a criação de um setor específico para tratar do tema. Mais tarde, foi então criada a Gerência da Qualidade Total em Educação (GQTE), para que essa nova cultura passasse a fazer parte do dia a dia da organização. Em 1994, ocorre, efetivamente, a ampla disseminação da GQTE.

Diretores, coordenadores e professores se viram, portanto, diante do desafio de levar os conceitos e as práticas da Qualidade Total para a sala de aula e para o dia a dia das escolas. Essa outra cultura foi muito bem absorvida por todos.

Baseado em todas essas mudanças na forma de agir e de gerir a empresa, o Pitágoras mudou, com foco na Qualidade Total, seus paradigmas de atuação.



Rede Pitágoras

Evidentemente, com o sucesso dos congressos, o Pitágoras tornou-se mais e mais conhecido – e reconhecido como um grupo de excelência no ensino e na gestão. Nas rodas de conversas e mesas de almoço daqueles encontros, era comum o professor Cabizuca ouvir, por parte de dirigentes e educadores de muitas escolas do Brasil afora, sobre o interesse de se criar algum tipo de parceria com o Pitágoras. Estava sendo aberto, ali, o caminho para a concretização de mais um modelo de negócio que, muito rapidamente, responderia pelo nome de Rede Pitágoras.

Os sócios já tinham conhecimento, inclusive, do modelo de grandes grupos que passaram a se organizar em redes, criando parcerias com dezenas ou centenas de outros estabelecimentos e de diferentes cidades. Isso já acontecia em São Paulo e em outros estados.



Parceria com a Educare

Em 1995, os sócios foram procurados pelo empresário Carlos Abdalla, então proprietário da Rede Educare, com mais de 50 escolas filiadas em Minas Gerais. Ele fez uma proposta de parceria com o Pitágoras, para que, juntas, as empresas aprimorassem os serviços oferecidos às escolas, por meio da Rede Pitágoras-Educare.

O Pitágoras passaria a oferecer a marca e toda a sua reconhecida excelência de ensino para as escolas, inclusive os conteúdos das coleções, e a Educare ficaria responsável pela produção e venda do material didático para os estabelecimentos, impresso em seu parque gráfico próprio.

A parceria foi concretizada, e Cabizuca se viu diante de uma nova incumbência: visitar todas as escolas da Rede Educare, que se espalharam por Minas e já chegavam ao Espírito Santo.

Era preciso, portanto, colocar o pé na estrada – o que, para Cabizuca, parecia ser não só uma atividade profissional, mas também algo muito prazeroso. Tanto que convidou a esposa para a empreitada.

Em muitas dessas viagens, fomos eu e a Marilda no nosso próprio carro. Passamos por Lavras, Betim, Governador Valadares, Três Corações, Santa Rita do Sapucaí... e por aí afora. Sempre nos reunindo com os diretores das escolas parceiras, para conhecer a realidade das escolas e das comunidades locais.

Visitávamos as salas de aula, sala de professores, quadra de esportes, banheiros, vestiários e acabávamos nos inteirando dos pontos fortes da escola e sobre aqueles que poderíamos ajudar a melhorar.

De volta ao carro e à continuidade da viagem, Marilda ligava um gravador, e eu ia discorrendo sobre todas as minhas observações. Já estavam, portanto, gravadas as observações que eu iria fazer para o meu relatório final. À noite, no hotel, eu saía para fazer minha caminhada, e a Marilda ia transcrevendo as conversas gravadas. Em outras viagens, fomos eu e o Heitor, que é meu motorista. Ao todo, foram três meses na estrada.

As viagens não tinham como objetivo apenas conhecer as escolas. Cabizuca e os sócios achavam importante mostrar que o Pitágoras estaria presente, junto com elas, a partir daquele momento. A princípio, alguns diretores não entenderam bem a parceria, pois, além da Educare, o Pitágoras também estaria presente. Aqueles encontros ajudaram a esclarecer qual seria o papel de cada empresa na produção dos conteúdos, impressão e venda dos livros e no suporte educacional e de gestão.

E não foram poucas as boas histórias que Cabizuca colheu ao longo daquela espécie de peregrinação. Em Lavras, por exemplo, ele e Marilda foram recebidos pelo diretor do Colégio Cenecista Juventino Dias (Cnec Lavras), uma escola parceira da Educare. O diretor era o capitão reformado Paulo Guimarães, que ficou exultante com a notícia da nova parceria. E disse a Cabizuca: “O senhor está me dizendo que agora minha escola vai ser Pitágoras? Vai ser uma maravilha. O Abdalla chegou a me dizer isso, mas eu não acreditava que fosse verdade! Eu terei tudo o que vocês oferecem lá em Belo Horizonte?”

Eu disse que sim. E que os professores da escola dele poderiam, inclusive, ser treinados pela equipe do Pitágoras. Vejam: foi esse tipo de demonstração de apreço que recebi em tantas escolas que visitei. Estávamos em 1996, completando 30 anos de Pitágoras. Era um reconhecimento muito importante para nós.

Ao final das viagens, foi produzido um detalhado relatório com registro de todas as impressões colhidas nos encontros. O documento se mostraria muito importante para o Pitágoras conhecer bem os colégios e desenvolver a estrutura necessária para a implantação de uma rede de escolas parceiras.

Um dos estabelecimentos que também entraram para a Rede foi a Escola Santa Madalena Sofia, de Curitiba, administrada por irmãs, que também eram donas do Colégio Sacré-Coeur de Jésus, em Belo Horizonte, já parceiro do Pitágoras. A participação do Pitágoras naquela escola do Paraná começou no meio do ano letivo, o que gerou algumas dificuldades, como a mudança da coleção didática entre o primeiro e o segundo semestre escolar. Sem dúvida, os problemas serviriam como aprendizagem para uma nova etapa de expansão do grupo Pitágoras.

No caso do Colégio Santa Madalena Sofia, eram muitas as mudanças de paradigmas, que envolviam, por exemplo, troca de diretor e de coleção didática. Mas estávamos aprendendo exatamente com aquelas questões práticas que encontrávamos pela frente.

Em agosto de 1997, o Abdalla enfrentou algumas dificuldades nos seus negócios pessoais e precisou nos vender sua participação na parceria. Fizemos o possível para ele permanecer, mas não houve jeito. Mas nós já estávamos acumulando a experiência e o know-how necessários para tocarmos sozinhos uma rede de escolas parceiras.



Segredo do sucesso

Eis que surge uma nova e importante fase da organização que completava três décadas de atividades: a criação da Rede Pitágoras, cuja expansão iria muito além do que os sócios poderiam imaginar.

Para se ter ideia do potencial daquele novo modelo de negócios, dez anos depois, em 2006, a Rede Pitágoras já contava com mais de 190 mil alunos em todo o País, nas escolas parceiras.

Grande parte desse sucesso se deve à concepção do modelo de rede de ensino adotado e aprimorado pelo Pitágoras, no qual todos saíam ganhando: a Rede Pitágoras entrava com a marca que levava em si toda a excelência da organização; a escola parceira passava a usufruir desse valor, com exclusividade de uso da marca em sua cidade. Por sua vez, os alunos passavam a utilizar toda a metodologia de ensino do Pitágoras, com destaque para as coleções didáticas, e os pais adquiriam as coleções com preços que em nada diferiam dos demais livros didáticos oferecidos no mercado pelas demais editoras.

A equipe de educadores do Pitágoras tinha demanda crescente diante da expansão da Rede, em termos de produção dos livros e suporte didático aos professores das escolas. A Rede Pitágoras ganhava em escalabilidade nos negócios, que incluíam diversos tipos de treinamento para educadores, como encontros e seminários, além de suporte de gestão das escolas – tudo sem custo algum, além do que era cobrado na venda dos livros.

Eu imaginava naquela época: se eu fosse dono de uma escola, seria muito melhor contar com todo o apoio e os anos de experiência do Pitágoras do que ter de resolver sozinho todos os meus problemas.

Logo vimos que muitos diretores pensavam assim. Aqui em Minas Gerais e no Espírito Santo, por onde começamos, a Rede Pitágoras foi recebida de braços abertos! Um número crescente de escolas que queriam ser nossas parceiras.

Criada em 1995, a Rede Pitágoras passou a ser, ainda nos anos 1990, o negócio mais rentável do grupo. Em pouco tempo, seus dirigentes consolidaram a equipe e estruturaram a produção da sua coleção didática, sempre renovada e aprimorada a cada ano. Aos coordenadores pedagógicos, cabia uma tarefa essencial: servir de canal direto e bem afinado entre a direção da Rede, em Belo Horizonte, e a diretoria de cada escola.

Essa sinergia permitiu que se construísse o que havia de mais valioso em uma parceria feita para durar: o compartilhamento das boas experiências educacionais e de gestão, assim como um claro respeito às diferenças individuais das escolas e aos valores da cultura local.

Em meados de 1994, o Pitágoras passou por uma mudança muito importante. Walfrido, que, desde 1991, já era secretário de educação do Estado de Minas Gerais, foi indicado para ser candidato a vice-governador. Seu envolvimento com o Pitágoras, que já estava difícil, iria ficar quase impossível, em virtude das demandas do governo. Naquele momento, ele indicou, para representá-lo junto aos sócios, Tarcísio Borges Freire, seu ex-colega do Colégio Estadual Central, que já trabalhava como consultor do grupo desde 1985.

Ao longo de mais de meio século de atividades no Pitágoras, Cabizuca desempenhou incontáveis funções. Algumas mais inusitadas que outras, como mostra este episódio em São Lourenço.

O fato ocorreu em uma tarde descontraída na cidade, logo depois da criação da Rede Pitágoras. Ele passava diante do estabelecimento que estava exatamente se preparando para divulgar a marca do Pitágoras na placa de sua fachada, fruto da parceria estabelecida.

E lá estava o pintor, no alto do andaime, ao lado de um ajudante, tentando desenhar, quase à mão livre, o logotipo do Pitágoras, formando, no centro, o triângulo retângulo (que, na marca, é também isósceles). Possivelmente, aquele pintor não sabia, com precisão, que, em algum momento do passado, um matemático e filósofo grego havia dito, a partir de um desenho semelhante, que, naquele triângulo, “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”.

Mas nem seria preciso mesmo saber. Sua tarefa era tão somente fazer o desenho da marca, que insistia em não sair corretamente. Foi então que o ex-professor de geometria Júlio Cabizuca parou perto do andaime e o chamou. Disse que estava vendo a dificuldade dele, mas que seria fácil resolver o problema. E falou:

− Companheiro, não é bem assim. Está um pouco errado, mas eu posso te ajudar.

O pintor, muito educado, desceu ao nível da rua e aceitou a ajuda, acompanhando a explicação e o desenho que Cabizuca fez num papel. Ele traçou um círculo, o diâmetro e um segmento perpendicular ao diâmetro, passando pelo centro do círculo. E explicou:

− Se ligarmos este ponto do círculo às extremidades do diâmetro, teremos um triângulo igualzinho ao que está na marca.

Desse modo, o logotipo vai sair direitinho (ou seja, sempre vai resultar no triângulo que demonstra o teorema). Cabizuca completou:

− Agora, manda bala. Eu vou ali na frente e volto daqui a pouco.

Ao retornar, lá estava a marca do Pitágoras surgindo direitinho na placa da escola, para a felicidade do pintor, do ajudante e do consultor de pintores, professor Cabizuca, que acenou para eles e continuou seu caminho.

O diálogo final, que não aconteceu ali, poderia ter sido o seguinte:

Pintor: – Mas, afinal, quem foi que te ensinou isso?

Cabizuca: – Ah, foi um chapa meu, um tal de Pitágoras...

Tarcísio tinha todos os poderes para decidir, comigo e com Evando, qualquer assunto relativo ao Pitágoras, mesmo que não conseguisse discutir antes com Walfrido. Evando tornou-se presidente do Pitágoras e eu, vice-presidente de Operações e Recursos Humanos. A Rede Pitágoras passou a ter uma diretoria específica.

Aquela era a minha praia – a coordenação operacional. E a minha relação com toda a equipe do Pitágoras era muito boa. Lembro-me, inclusive, de uma bela homenagem que recebi, dois anos antes, quando fizemos uma reestruturação interna, pois o Walfrido tinha se tornado vice-governador de Minas, e eu deixara de ser superintendente.

A homenagem à qual Cabizuca se refere ocorreu em 1994 e foi simbolizada por uma placa, que permanece em sua sala até hoje, quase 25 anos depois, com os seguintes dizeres: “Simples no ser. Profundo no encontrar. Prático no fazer”.

primeiro anuncio do Pitágoras


João Bosco Lodi e o veredito

No final dos anos 1990, Evando, Cabizuca e Walfrido percebem que a organização, com 33 anos de existência, estava enfrentando um problema recorrente, relacionado à contratação de fornecedores nas mais diversas áreas da empresa. Nas obras de construção e reformas, por exemplo, sempre havia construtoras indicadas que eram de parentes ou de pessoas próximas. E, inevitavelmente, surgiam os problemas de qualidade dos serviços prestados, aumento de custo após aprovação de orçamentos, valores acima do mercado etc. E havia também a indicação e contratação de parentes e parentes de parentes em diversos setores da empresa.

Em 1998, diante da constatação da seriedade e do agravamento do problema, Walfrido sugeriu a contratação de um renomado consultor, especialista em empresas familiares, chamado João Bosco Lodi.

Ao longo do ano, ele veio três vezes a Belo Horizonte, sempre para ficar três dias. Ele era mesmo muito bom e foi indicado pelo Walfrido que, como sempre, optava pela prateleira mais alta da estante. Ou seja, onde estavam os melhores e... os mais caros. E a diária do João Bosco era mesmo muito elevada. Não dava para chamar sempre.

Depois de alguns estudos e conversas com os sócios, veio a orientação quase que esperada do consultor: “Não há outra saída. É preciso demitir todos os parentes e também suspender a contratação de qualquer tipo de serviço atrelado a eles ou às empresas de parentes dos sócios. E acabar com toda a proximidade de interesses decorrentes dessas relações familiares. A empresa precisa se profissionalizar por completo, se ela deseja, efetivamente, almejar a perenização”. Após ouvirem esse veredito e refletirem bastante, os sócios resolveram seguir, à risca, a orientação de Lodi, mesmo tendo que cortar na própria carne, com a demissão até dos parentes mais próximos, como ocorreu com o próprio Cabizuca. Além dessa determinação, o consultor João Bosco Lodi também instituiu o que se denominou de regras de boa conduta empresarial. Segundo Cabizuca, todas as medidas foram muito bem explicadas e discutidas, e Lodi enfatizava que elas eram muito importantes para garantir a sobrevivência da empresa. E foi o que, de fato, ocorreu: as novas regras garantiram não apenas a saúde da empresa, mas também a boa convivência entre os sócios.

O que o João Bosco Lodi fez, na verdade, foi aplicar uma vacina muito eficiente, que imunizou para sempre a empresa. Pronto, estava acabada a relação com parentes. O fato de a decisão ter sido baseada nas orientações de um renomado consultor externo ajudou a atenuar os traumas eventualmente criados.



Fundação Pitágoras e responsabilidade social

Durante os anos 1990, com o advento da globalização de mercados e a forte expansão das grandes corporações, a expressão “responsabilidade social” passou a fazer parte da agenda institucional das organizações. Com o grupo Pitágoras, a situação não foi diferente. No final da década, em 1999, os sócios decidiram criar a Fundação Pitágoras, com o objetivo de sistematizar as ações de responsabilidade social que já vinham sendo desenvolvidas pelo grupo em diversas frentes.

A Fundação teria como meta contribuir para a melhoria da educação pública brasileira por meio da implantação, nas redes públicas municipais, de uma metodologia avançada de gestão, conhecida como Sistema de Gestão Integrado (SGI). O professor Evando, que havia apresentado aos sócios a proposta de criação da fundação, tornou-se então o primeiro presidente da nova instituição e passou a ter maior envolvimento com ela.

Os resultados foram e têm sido muito satisfatórios, podendo ser percebidos pelo aprimoramento da aprendizagem por parte dos alunos, em especial, em suas habilidades de leitura, escrita, cálculo, expressão oral e solução de problemas. Os custos de implantação do SGI são relativamente baixos, fazendo desse sistema uma metodologia altamente eficaz do ponto de vista social e com grande possibilidade de ser replicado em escala.

No mesmo ano, o Pitágoras amplia ainda mais sua atuação internacional e chega ao Japão, passando a atender, predominantemente, filhos de descendentes japoneses que moravam no Brasil e foram trabalhar naquele país.

Eram seis escolas, espalhadas pelo país nas áreas mais povoadas por brasileiros descendentes. Essas unidades, que tinham mais de mil e duzentos alunos, se constituíram, para nós, numa experiência pedagógica extremamente importante, pois lá implantamos as salas multisseriadas, que reuniam estudantes de séries diferentes numa mesma turma. Isso ocorria em virtude de o número de alunos em cada série, às vezes, ser pequeno. Então colocávamos esses estudantes numa mesma sala, juntos, o que deu muito certo. Sobre os professores, podemos dizer que pelo menos a metade deles foi contratada lá mesmo, e, em geral, eram esposas de trabalhadores brasileiros. A imensa maioria era muito experiente e competente. Oferecíamos todas as séries, desde o maternal até o terceiro ano do então científico.Tão logo nos instalamos no Japão, tínhamos quatro unidades em funcionamento e mais duas que já estariam prontas para funcionar em 2002, com toda a infraestrutura montada, com mobiliário novo e matrículas já feitas.

Aconteceu, entretanto, o imprevisto: o atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, nos EUA. Com isso, inúmeras famílias decidiram retornar ao Brasil, e perdemos mais de 30% dos nossos alunos.

Naquele momento, eu vou para o Japão para ajudar a contornar os problemas financeiros que ocorreram em virtude da perda de alunos. Retornei mais quatro vezes para dar apoio e acompanhar as lideranças locais.O que foi uma oportunidade para eu conhecer o país e a cultura.

Mas o ano de 1999 seria marcado também por uma mudança estratégica na participação dos sócios na organização. Depois da saída dos parentes, como sugeriu o consultor João Bosco Lodi, era a hora de os sócios também se afastarem das funções executivas.

Desde 1998, eles haviam decidido, portanto, que era o momento de não mais estarem à frente do dia a dia da empresa, optando por profissionalizar completamente a gestão. O professor Renato Mesquita foi então escolhido para ser o presidente do grupo. Walfrido já estava afastado das funções, envolvido com as atividades políticas.

Dessa forma, Evando passou a ser o presidente da Fundação Pitágoras, e Cabizuca tornou-se presidente do Conselho de Administração, que ficou composto pelos três sócios e dois convidados: Tarcísio Borges Freire, que já atuava como um representante formal de Walfrido na empresa, e o empresário Márcio Lacerda, mais tarde eleito prefeito de Belo Horizonte.

Naquele momento, percebi que uma mudança estrutural estava acontecendo. O Cabizuca, que tinha uma agenda lotada de compromissos – das oito da manhã até as sete ou oito da noite –, de repente, não teria que atender a mais ninguém! Eu vivia totalmente para o Pitágoras. De repente, não teria mais agenda. “Conselheiro só fala no Conselho e não dá palpite nem interfere na operação”, essa era a regra.

Diante dessa nova realidade, Cabizuca decide dar uma guinada em sua rotina profissional e resolve priorizar uma atividade que nada tinha a ver com sua trajetória educacional: o cultivo de café, em sua fazenda, no município de Ibituruna.

Até então, a fazenda, para mim, era um local de lazer. Mas poderia se transformar num negócio? Sem dúvida que sim. Nós íamos lá sempre, nos fins de semana, feriados e férias escolares, para descansar e administrar tudo. Eu já tinha mexido com produção de leite e laticínios, mas não queria retomar isso – até porque eu não entendia muito do setor. Mas o café era outra coisa. Dava para estudar, conhecer a realidade de outras fazendas e aprender muito. Ainda em 1999, eu resolvi plantar minha primeira lavoura de café.

Cabizuca foi à luta, em busca de conhecimento. Fez vários cursos, incluindo um de duas semanas em Varginha, com técnicos da Epamig e da Emater. Conheceu diversos especialistas em café e teve como consultores vários professores da Universidade Federal de Lavras.

Nós visitamos diversas fazendas em São Paulo, e fui anotando tudo – o que deveria e o que não deveria fazer. O Renato estava na presidência do Pitágoras, e a gente mantinha contato constante. Nós, os sócios, sabíamos que poderíamos deixar tudo por conta dele, dono de uma inteligência raríssima. Isso, com certeza, contribuiu para a sensação de tranquilidade que passei a sentir, após sair do dia a dia operacional do Pitágoras.

Eu estava empolgado com tudo o que aprendia naqueles meses. E olha que não tinha nada de internet. Era tudo nos livros e na vivência prática das fazendas. E, também, com uma forte dose de curiosidade.

Com um pé na estrada e outro na fazenda, Cabizuca foi progredindo rapidamente com o cultivo de café de qualidade – por sinal, uma vocação natural da região. Ainda em 1999, foi criada a Cooperativa dos Produtores de Cafés Especiais Santo Antônio Estate Coffee (Sancoffee), com a qual Cabizuca se envolveu desde a primeira hora como produtor.

A Sancoffee é uma plataforma de relacionamento que conecta um seleto grupo de cafeicultores a compradores de cafés especiais ao redor do mundo, desde 1999. Ela tem um modelo de negócio muito distinto, que é baseado em qualidade, transparência e excelência na prestação de serviço. Por isso, consegue entregar cafés excepcionais ao mercado. Hoje, a Sancoffee tem uma produção anual de 200 mil sacas de café, reúne 20 cafeicultores, possui armazém e linhas de processamento próprios e conquistou várias certificações. Ela tem como propósito ser a melhor exportadora de café especial do planeta.

Mas o destino, mais uma vez, reservava surpresas para o empresário e agora produtor rural Júlio Cabizuca. Dois anos depois de seu afastamento do dia a dia do Pitágoras, seu envolvimento com o cultivo do café teve de ser dividido com uma tarefa urgente, que o obrigava a voltar para a rotina da organização.



Mais desafios

No ano de 2001, o pré-vestibular começou a enfrentar uma forte crise, devido à concorrência que se acirrava no mercado de Belo Horizonte. Outros cursinhos estavam chegando com mensalidade bem abaixo das do Pitágoras. Corria a informação de que muitos não cumpriam as obrigações trabalhistas. Entre 2000 e 2002, o número de alunos matriculados no pré-vestibular do Pitágoras caiu de 6 mil para 2 mil.

Outros cursinhos não registravam, na carteira de trabalho, o total das aulas dadas. Tinham um custo de encargos sociais muito menor que o nosso. Além disso, muitos dos nossos professores trabalhavam também nos concorrentes, ou seja, os outros pré-vestibulares cobravam mensalidades menores e tinham a expertise do nosso serviço.



Faculdade Pitágoras: criação e desenvolvimento

Uma nova e muito mais ampla perspectiva de investimento e de expansão dos horizontes da organização estava surgindo para os sócios do Pitágoras. Em 2001, eles vislumbraram a possibilidade de concretização de mais um passo na trajetória da organização: a criação da Faculdade Pitágoras.

Ao mesmo tempo em que o pré-vestibular demonstrava ser insustentável, nós já desenhávamos algo muito mais interessante, que seria um verdadeiro salto – buscar o nosso espaço no ensino superior. E isso deveria começar de forma lenta, até porque estávamos sem muitos recursos para tamanho investimento. Nós queríamos muito fazer o sonho de a Faculdade Pitágoras virar realidade. Não só por ser o caminho natural da oferta de novos segmentos de ensino, mas também por sabermos que esse era o caminho da expansão do negócio.

Era preciso, portanto, buscar uma forma de financiamento ou geração de recursos. Os sócios sabiam que a opção por empréstimos em banco estava fora de cogitação. Seriam recursos de curto prazo – e a espera pela autorização de funcionamento da faculdade por parte do Ministério da Educação levaria, certamente, muito mais tempo.

Eis que surge uma oportunidade muito boa, por meio de uma aliança com uma organização internacional que estava buscando em diversos países, como México, Brasil, Holanda e Alemanha, parcerias para investir no ensino superior. Ela se chamava Apollo Education Group, com sede no Arizona, nos EUA. Era um grupo bastante sólido. Os contatos com o grupo foram inicialmente realizados por Walfrido e Claudio Moura Castro, que era consultor do grupo.

Nós tínhamos um ativo muito bom e rentável chamado Rede Pitágoras. O caminho que encontramos, portanto, foi realizar um negócio, no qual o Grupo Apollo adquirisse metade desse ativo. Eles não se interessavam pela educação básica, mas foi a forma que encontramos, em conjunto, para que o Pitágoras pudesse ter os recursos necessários para a criação da faculdade, em parceria com eles.

No dia 26 de junho de 2001, o Grupo Apollo adquiriu a metade da Rede Pitágoras. Isso não incluía a participação deles em outros segmentos do grupo, como colégios e operações externas, por exemplo.

E foi assim que conseguimos, portanto, viabilizar a criação da Faculdade Pitágoras. Nós não tínhamos pressa de crescer e queríamos ir, aos poucos, implantando novos cursos. Foi também o Walfrido que trouxe para a faculdade um consultor, o economista Claudio Moura Castro. Ele ajudou muito na concretização da parceria, pois conhecia bem a Universidade Phoenix, pertencente ao Grupo Apollo.



Os alunos pioneiros

A primeira unidade da faculdade foi implantada em Belo Horizonte, com a criação do curso de Administração. Ao final do primeiro ano letivo, ainda em 2001, já havia mais de 300 alunos matriculados. Era muito pouco se comparado aos quase 100 mil alunos da Rede Pitágoras que cursavam Educação Básica naquele mesmo ano. Mas uma larga avenida rumo ao futuro estava sendo pavimentada com aqueles alunos pioneiros.

A segunda unidade da faculdade foi criada em Ipatinga e, em seguida, vieram as de Betim, Curitiba (junto ao Colégio Santa Madalena Sofia), São Luís do Maranhão e muitas outras. Ao longo dos anos 2000, o número de novas unidades foi se ampliando, incluindo o crescimento no interior de Minas e em outros estados. Em 2008, além de Minas, Paraná e Maranhão, a Faculdade Pitágoras já estava presente também em São Paulo e no Espírito Santo.

Como toda empresa que vive uma expansão muito acelerada, a Faculdade Pitágoras também enfrentou os problemas naturais do crescimento, em especial na primeira metade dos anos 2000. Naquele período, Cabizuca teve um papel muito importante – e, como sempre, tornou-se responsável por gerir uma série de questões operacionais.

Na verdade, eu deveria ficar como presidente do Conselho de Administração da organização, onde já estava. Mas, naquele período, eu tive, mais uma vez, que voltar para a ativa. Mais do que isso, tive de entrar de sola, pois era muita coisa para administrar, especialmente na gestão das unidades e no dia a dia operacional. Reduzi também minhas atividades na fazenda e enfrentei aquele desafio, com muitos sufocos no dia a dia da administração, até o ano de 2007.

Em 2005, o Grupo Apollo comunicou que, por questões internas, não tinha mais interesse em continuar com as operações no Brasil. E sugeriram que o Pitágoras comprasse a parte deles na parceria, o que foi aceito, depois de algumas negociações.

Em 2006, o Pitágoras criou também o Ined, uma empresa educacional focada na oferta de cursos superiores para graduação de tecnólogos, com toda a expertise da organização.

Nos primeiros anos de existência, a Faculdade Pitágoras tinha adotado um modelo de ensino muito voltado para a formação humanista nos módulos iniciais dos cursos e com muitas opções de qualificações. Naquele período, os sócios sentiam que seria preciso alterar esse modelo, visando a uma formação mais objetiva e dirigida ao mercado e à empregabilidade. E a oportunidade de fazer esse ajuste de rota estava prestes a ocorrer.

Na verdade, o que aconteceu, a partir de 2007, foi algo infinitamente maior, uma etapa inédita na história da organização. No início daquele ano, os sócios perceberam que o contexto do País e do mercado estava favorável a uma possível operação de abertura de capital do grupo Pitágoras, que passaria, então, a ter suas ações negociadas em bolsa.

primeiro anuncio do Pitágoras

A sensação dos três sócios de que o momento era propício para a abertura de capital do Pitágoras, em 2007, estava em total sintonia com o que ocorria na economia do Brasil, sob a gestão do então presidente Lula. Havia, sim, um risco natural de todo negócio. Mas, no final do ano, os indicadores demonstraram que Evando, Cabizuca e Walfrido (que, como ministro, estava afastado do dia a dia da empresa) fizeram a aposta certa.

Em 2007, o Produto Interno Bruto (o PIB, que representa a soma dos valores de tudo o que foi produzido no país em determinado período) cresceu 5,4%. Isso em relação ao ano anterior, quando o resultado também já tinha sido bom (alta de 3,8% no PIB).

Por sua vez, os investimentos em bens de capital realizados pelas empresas subiram muito também no ano, atingindo 13,4% em relação ao período anterior. Era a maior alta em um ano, desde que o indicador passou a ser calculado, em 1996.

Ou seja, o cenário estava totalmente propício para operações de abertura de capital, o que ocorreu também com várias outras empresas de capital fechado.



A Kroton

No dia 30 de março de 2007, os sócios do Pitágoras e executivos do grupo decidiram que iriam promover a abertura de capital da empresa. Naquele encontro, eles passaram a limpo a lista de providências a serem tomadas nesse sentido.

Entre março e julho, portanto, foi realizado todo o processo de abertura de capital, inclusive a escolha do banco responsável – o Morgan Stanley, que tem forte presença na América Latina.

Nós ficamos energizados pela notícia de que o Grupo Anhanguera Educacional tinha obtido sucesso um mês antes, em fevereiro, com a abertura de capital. Esse foi um dos fatos que desencadearam a certeza de que o caminho era aquele. Ademais, várias empresas estavam fazendo o mesmo. Na área educacional, o Anhanguera já era poderosíssimo.

Nós estávamos ainda começando no segmento de ensino superior, mas tínhamos um ótimo nome em todo o Brasil. E Minas Gerais sempre foi considerado um berço de cultura e educação para o Brasil. Ouro Preto, por exemplo, é o berço da engenharia.

Era preciso preparar a criação de uma holding para reunir todas as empresas do grupo. Naquele momento, foi sugerido um nome de fantasia – Kroton −, que tinha uma forte simbologia relacionada à marca existente. Crotone é o nome de uma cidade portuária, localizada na região da Calábria, no sul da Itália, onde o filósofo Pitágoras fundou uma escola e teve muita influência sobre a população local.

Aquele era mesmo um momento de “fartura de abertura de capital”. No dia 23 de julho de 2007, quando nós abrimos o capital da empresa na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), adotando a marca Kroton Educacional, outras três empresas fizeram o mesmo.

A operação de abertura de capital que o Pitágoras realizou em julho de 2007, na Bolsa de Valores de São Paulo, é mundialmente conhecida como IPO (Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial). Por meio dela, uma empresa de capital fechado (Limitada, ou Ltda.) passa a ser uma empresa de capital aberto (Sociedade Anônima, ou S.A.).

Isso quer dizer que os sócios da Ltda. resolveram vender parte da empresa (ações) para o mercado, visando obter recursos e ampliar a capacidade de crescimento do grupo. Essa operação só pode ocorrer em uma bolsa de valores, onde se negociam as ações.

O sucesso dessa abertura de capital advém da aceitação das ações dessa empresa pelo mercado. Com uma procura elevada, essas ações tendem a subir de preço, gerando mais ganhos para os investidores. Mas problemas com a empresa podem fazer com que as ações percam valor, gerando prejuízo. Por isso, esse mercado é considerado de risco.

Empresas sólidas e com longa trajetória de sucesso, como era o caso do grupo Pitágoras, representam quase uma certeza de valorização das ações do grupo – no caso, a Kroton Educacional.

Os casos de sucesso na abertura de capital de empresas funcionam como uma espécie de grande compensação para os então proprietários da empresa de capital fechado, que certamente trabalharam muito para fazer o negócio chegar aonde chegou.



Uma conquista marcante

No dia 23 de julho de 2007, foi criada uma nova empresa de capital aberto do setor educacional no Brasil. No final da tarde, Evando e Cabizuca deixaram a sede da Bovespa, em São Paulo. Certamente cansados, após um dia de intensas ações, que culminaram com o bater do martelo no interior do prédio, simbolizando a conclusão do IPO ou o processo de abertura de capital e a criação oficial da Kroton Educacional.

Mas, com certeza, nenhum dos três sócios dava conta de que 41 anos e três meses separavam aquele 23 de julho de 2007 do 11 de abril de 1966. Naquele dia da década de 1960, começavam as aulas de um discreto cursinho pré-vestibular, com 35 alunos, em uma sala cedida pelo Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte.

Naquele dia da década de 2000, começava a funcionar uma nova empresa educacional, cujas raízes estavam fincadas naquela sala de cursinho. E que, em muito pouco tempo, passaria à condição de maior empresa educacional do País e uma das maiores do mundo em número de alunos.

3 | Lá vai ciranda e destino...
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